quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2009

Humm... Dizer o quê, na verdade?!
Não sei bem, admito. Mas 2008 está prestes a deixar-nos e, embora tenha andado particularmente caladinha neste ano, não quiz deixar de marcar a data.

Não faço balanços, aliás, como já não os fazia nos anos precedentes. Dizer o quê?!

Dizer que neste ano fui mãe e que me sinto infinitamente grata pela graça que ela representa. Que me sinto grata à vida, em suma. Muito grata. Mesmo que, por vezes não pareça, mesmo que por vezes me queixe, me lamente, mesmo que por vezes chegue mesmo a chorar.
Tenho uma familia maravilhosa. Sim, eu sei que é um lugar comum, mas é verdade.

Infinitamente grata, sim. Pela Mafalda, e pelo Pai dela. Por ter os meus pais, o meu irmão e os meus avós, por ter amigos.

2008 foi o ano mais atribulado da minha vida, mas também o mais importante. Bem vistas as coisas, e por mais que tenha dito outra coisa: o mais feliz!

Que 2009 seja, para todos, um ano cheio de paz, de saúde e de realização.

Um muito, muito feliz 2009!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal

Há um ano escrevi isto. E era a mais pura das verdades.
Este ano não há nada disso. Nada.
Não é de farinha e açucar que é feito o meu Natal. Não faço filhoses, nem mexidos nem, tão-pouco, haverá shortbread na mesa.
O pedaço de madeira que sobrou do lume da lareira da noite de Natal do ano passado não se irá juntar ao lume nesta noite de Natal.
O meu Natal, que era feito de farinha e açucar, este ano não o será.

Este ano, pela primeira vez em toda a minha vida, não passarei a noite de Natal com os meus pais e avós. Não os verei, sequer.
O Natal, dito festa da família, obriga a separações, afinal. A separações que ocorrem pela primeira vez e que custam a gerir.
Este ano, mais do que em qualquer outro, gostava de estar com eles. Com eles e com o meu irmão. E não estarei.

Não comprei um único presente.
Nunca gostei do excessivo consumismo associada à quadra. Hoje, mais do que nunca, isso desagrada-me.
Espero ter a capacidade para fazer entender à minha filha que o Natal não é isso, o Natal não são coisas, não é confusão. O Natal é tão outra coisa.
A ela, que é tão pequenina ainda que não entende, darei o pequeno crusifixo que recebi da minha Tia Maria, quando eu era pequenina. Não consegui pensar noutro presente para lhe dar que tivesse mais significado. Um dia ela há-de entendê-lo, por completo.

O Natal é a festa do nascimento de Cristo. E tão poucas pessoas o vivem como tal.
Muitas há que o comemoram mais como um Carnaval. E isso aflige-me.
Podia dizer-se que isso não é assunto meu, que cada um o vive como quiser

Há melancolia no Natal. Não a melancolia doce que aconchega. Há melancolia triste também, e esta é assim.
E, no entanto, há luz e esperança. E há o que comemorar.

Mas este Natal, tenho a minha filha. E no meio de toda a confusão da quadra, é isso que é importante. Ela existe e está comigo.
Esta noite, na passagem para o dia de Natal, hei-de tâ-la nos braços.
Ela é o melhor dos presentes que alguma vez poderia ter recebido, ela é o meu Natal e, apesar de tudo, ela, como todos os bebés, é o sinal de que o Natal, afinal faz sentido. Todo o sentido.

Feliz Natal!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Saudades...

Por mais idiota que possa parecer (e por mais irritante que seja para quem me lê, porque agora não falo de outro assunto), tenho umas saudades imensas da Mafalda recém-nascida, do tamanho 1 das fraldas, dos primeiros fatinhos que já não lhe servem, dela nos primeiros dias, dos olhinhos papudos ainda que pouco se abriam, do início de tudo.
Tantas saudades dela, pequenina, pequenina e, no entanto, ela tem apenas um mês e meio, mas já tão diferente de quando nasceu.
Que saudades já!

[E como se pode gostar sempre mais um bocadinho deles, em cada dia, quando já os Amamos muito para além do possível, desde o primeiro segundo ?!]

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Coisas para as quais [não] nos preparam em relação à maternidade

Ter filhos é, de facto, a melhor coisa do mundo. A melhor; a anos luz de qualquer outra coisa nesta vida. Anos luz!
É incomparável e inenarrável e, por isso mesmo, seria inútil e patética qualquer tentativa para explicar o que sinto.

Ninguém nos prepara para gostar tanto de alguém, ninguém consegue explicar-nos que, de repente, uma pessoa pequenina, que já julgavamos amar para além do possível, nos vem provar que não há, neste tipo de amor, impossíveis, nem limites, nem modo de quantificar seja o que for; que não há nada, nada comparável e que é tão forte que não parece, sequer, humano.
E ninguém nos prepara porque não há, de facto, modo de o fazer. Porque não há palavras para o descrever, nem categorias para o arrumar, nem nada com o que se possa comparar. Num instante um pequeno ser sai de nós, olha-nos pela primeirissima vez e a nossa vida começa também naquele instante.

Mas existem outras coisas também. Existe o outro lado da maternidade. E para este também ninguém nos prepara, e é pena. Mas também para este parece ser difícil fazê-lo.
Durante a minha gravidez duas pessoas apenas me alertaram para ele, a minha prima e uma outra pessoa que não linko porque creio que já não tem blog, numa tentativa de me aliviar o impacto a que, inevitávelmente, seria sujeita.
Essa parte menos cor-de-rosa da maternidade também existe, as dificuldades são muitas e é bom contarmos com elas.

Apesar do excelente atendimento que tive no local onde a Mafalda nasceu, dois dias depois (menos umas horas até) depois do parto, estava em casa com uma bebé nos braços, absolutamente apaixonada por ela, mas ainda a tentar cair em mim depois de tão grande reviravolta na minha vida. Eu e o pai, ali estavamos, pais de primeira viagem, com um ser indefeso a nosso cargo.
Ensinaram-me muitas coisas mas não me avisaram que,por exemplo, um dia depois de estar em casa, ela podia começar a chorar desesperadamente, a contorcer-se. E nós... bom, nós contorciamos o coração sem saber o que fazer.
Telefonei para o Saúde 24 e expliquei os sintomas, respondi a todas as perguntas e, do outro lado, dizem-me que ela tem que ser vista numa urgência pediatrica de imediato, no máximo de 4 horas. Assim mesmo, sem mais explicações. E eu tremo, e choro, e sinto faltar-me o chão debaixo dos pés, e pegamos nela e voamos para as urgências do Dona Estefânia. E eram cólicas. Apenas cólicas, coisa natural e, parece, inevitável. É o processo de amadurecimento dos intestinos. É natural e não há por que se preocupar.

Pois. Não estava preparada, não.
Sabia que os bebés tinham cólicas, mas não estava preparada para as ver na minha filha tão pequenina. Não estava sequer preparada para a ouvir chorar sem que eu conseguisse aliviar-lhe, como por magia, todos os males.

Muito menos estava preparada para o que a minha prima e a M. tentaram alertar-me durante a gravidez: ter filhos é complicado e doloroso, e não apenas na hora do parto.
Ter filhos deixa-nos com os nervos em franja e o coração em frangalhos, o mundo desaba-nos inteiro na nossa cabeça, tudo nos dói estupidamente, todos os medos são nossos, andamos cansadas, ninguém nos compreende, já não sabemos quem somos e para onde foi a pessoa que eramos antes, não nos reconhecemos nem no corpo, que já não é de grávida mas que continua pesado e sem as curvas de antes, nem na alma, que já não é a mesma, não temos tempo para nós nem para nada e, pior de tudo, estamos sózinhas nisto, e ninguém nos compreende.
Somos frágeis como o mais fino cristal mas, ao mesmo tempo, fortes como a mais alta montanha, se se trata de defender a nossa cria. Ferozes mesmo, num instinto de animal, muito para lá do racional, que deve ser a única coisa que herdamos dos tempos mais primitivos.

Ninguém nos prepara verdadeiramente para este impacto, porque, tal como não é possível prevenir-nos com realismo para a dimensão do amor que vamos sentir, também não o é para esse enorme impacto emocional que nos vira, por completo, do avesso.
Ouvi as palavras da minha prima e da M., ouvi-as com atenção e agradecida. Sabia que só podiam estar a dizer verdades, sabia que só por me quererem bem estavam a falar-me das coisas menos fácei e luminosas que me esperavam, enquanto todas as outras pessoas apenas referiam as maravilhas que aí vinham. Ouvia-as mas, apesar de ter muito presentes as suas palavras, eram apenas palavras e nenhuma palavra é suficiente para definir este "coice emocional".

Ter filhos não é fácil. Ter filhos também dói. Dói para além do parto, sim.
É bom que se tenha isso presente. É bom que não se mistifique e mitifique a experiência da maternidade.
Mas ter filhos é bom. Ter filhos é, de facto, a melhor coisa do mundo! Mesmo! Eles valem, tudo, tudo, tudo! E não há nada mais maravilhoso do que este anjo em forma de menina pequenina que dorme agora aqui mesmo ao meu lado.

Obrigada prima (não me esqueci do que te devo, apesar de parecer!)! Obrigada M.!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

29-10-2008

Chama-se Mafalda e nasceu na noite do dia 29 de Outubro, como disse, simpáticamente, a minha prima Clara.

Também como ela disse, o mundo mudou. Pelo menos o meu mundo! E dorme agora no meu colo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

40s

E às 40 semanas, exactamente às 40 semanas, esta menina faz-se esperar. E isto contra todas as previsões de tios, tios, pais...

Dizem que o que é bom faz-se esperar...
Dizem... :)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Miscelânea

Quanto mais tempo passo sem escrever aqui, mais me custa fazê-lo e, no entanto, todos os dias sinto que perco alguma coisa ao não o fazer, porque sei que aqui as memórias ficam mais vivas do que de qualquer outro modo, e sei também que, se todos os dias são diferentes e irrepetíveis, estes são mais diferentes e mais irrepetíveis do que todos os outros. Com as coisas boas e com as dificuldades, que as há, e quem disser que a gravidez é só maravilhas e estado de graça, ou nunca passou por ela, ou mente. Porque sim, existem momentos difíceis, sim, existem, dificuldades e sensibilidades levadas ao extremo e mudanças em avalanche e todas essas coisas e muito mais. E existem as outras coisas; as coisas boas, as especiais, as mágicas, aquelas que nem temos palavras para as descrever, daquelas que podem dar origem a que se pronunciem uma série enorme de lugares comuns e, mesmo assim, não se consiga explicar o que se sente e o que se vive.

A barriga cresce. E esta é, talvez, a evidência mais pateta que posso escrever. Mas é assim. É marcante. É essa a minha realidade agora.
Cresce e eu não vejo os pés ao descer as escadas, dificilmente seco decentemente os dedinhos dos pés ou corto as unhas.
Tenho a leveza de um elefante cruzado com uma baleia, sento-me com a elegância de um leão marinho e passo as noites a mudar de posição na cama.

O tempo passa tão depressa que num dia a semana está a começar e no outro já passou, ou pelo menos é assim que as vivo.
Fazer obras, arrumações e mudanças nesta fase da gravidez é tão idiota quanto difícil, e devia mesmo ser proibido (caso não fosse tão absolutamente necessário - e é-o!).

Procuro não pensar muito no parto em si, e no que isso implica para bebé e mãe. Mas acabo por ler tudo aquilo a que tenho acesso.
Às vezes acho que é o processo mais natural do mundo, e que nascemos para isto mesmo. Outras acho que é uma prova de fogo para as duas partes, e sinto medo.

Finalmente soubemos, já há duas semanas.
Pensei que não iriamos saber nunca, até que nascesse. Depois de tantas tentativas e outros tantos fracassos. E gostava, sim. Gostava muito de saber, gostava de poder dizer mesmo ele ou ela, de usar um nome, mas já não pensava nisso. Estava resignada.
Afinal soubemos: é menina.

Gostaria igualmente de um menino ou menina. É verdade.
Mas estava demasiado convencida de que era menina. Estranharia - acho - se fosse menino, mesmo que, realmente, gostasse igualmente.
Arriscaria dizer que o momento em que a médica disse que era menina de caras, e olhei para o monitor, deve ter sido o momento mais feliz da minha vida até agora. Tolice? Talvez. Acho que sim. Mas posso sempre culpar as hormonas. Na verdade acho que foi por a ter sentido mais perto, mais definida, com identidade finalmente. E esta mesmo: cada vez mais perto.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Das férias II

Não foram na minha praia, pois não. Foram lá em cima, numa casa gentilmente emprestada por amigos. E eu deixei-me conquistar, não sem um pequeno sentimento de culpa, como que por me achar a trair a praia que me acolheu todos os Verões desde a infância. Mas depois a culpa desvaneceu-se.

As saudades não. Olhava para o mar e pensava como estariam as ondas por lá, punha um pé na água e pensava qual seria a temperatura da água lá, ouvia o chilrear das crianças e pensava como estarão mais crescidas as das minhas amigas, olhava as pessoas e lembrava-me das pessoas com quem vivi todos estes verões.

Não foram na minha praia mas foram no meu Norte. Que eu bem sei que está mal formulada a questão e que sou eu que lhes pertenço e não o contrário.

Naquela praia os campos de milho chegam quase ao areal, os muros são de granito e o pão sabe a bolos. O areal fica quase ao sair da porta e não há preocupações com a indumentária e a vida social. Vive-se, simplesmente. Desfruta-se.

As gaivotas pedem-nos comida ao fim da tarde, insistentemente, e eu gostei de lhes dar pão. Há rochas, pedrinhas redondas que parecem feitas para as colocarmos em colares, um mar acolhedor e um areal quase só para nós. Há dunas e uma capela de granito nas arribas e o tempo é o que nós quisermos.

E há mais do que isso. Eramos nós. Só nós. Os dois, os três. Distância e familia na conta certa. Nós. Nós! E isso contaria só por si.

Nestas férias houve novidades, estreias absolutas, que de tão naturais quase não se notaram como tal. E houve o regresso a lugares que acho que conheço antes de existir, por mais estranho que isso possa parecer, e a paz e a segurança que isso me trás.

E houve a volta e o coração que se aperta sempre nessas alturas. Sempre.Aperta-se ao virar as costas ao mar e à areia, aperta-se ao ouvir o som da porta da casa a fechar-se atrás de nós, aperta-se aos primeiros metros percorridos pelo carro, aperta-se mais abaixo, ao passar pelo Porto de Leixões e, mais ainda, ao passar o Douro. E nessa altura é difícl resistir como até aí, e olho para trás. É a volta, sem mais nada a fazer.

Para trás ficaram poucos dias mas muitas coisas.
E ficou o que o coração conseguio guardar. Isso e as coisas que encomendámos lá por cima para este bebé e que a(o) aconchegarão também a ela(e). Também a ela(e)... também mesmo antes de nascer.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Das férias

Agosto chegou ao fim e eu também as tive.
Pequeninas, pequeninas. Mas cheias que nem um ovo.
E por pateta que pareça, talvez por me ter esquecido de levar a máquina fotográfica (apesar de ter acesso às imagens pacientemente captadas pelo paizinho), guardo as imagens destas férias de outros modos.

Souberam-me pela vida...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Silly season


O calendário é implacável. Cai-nos em cima, mesmo quando fazemos um esforço para nos distrairmos e fingir que não estamos a ver que estamos no dia e mês que estamos.
Ela está aí, a silly season. Em força. Reflectida em todas as coisas ( e ausências).

Fecho os olhos com força e abano a cabeça como que a tentar afastar de mim as lembranças associadas à época. Mais do que as lembranças, as sensações. Coladas à pele já, de tantos anos de hábitos, gestos e vivências repetidos.
Não consigo.
Tenho conseguido conter as faltas, mas não apagá-las.

Não me lembro de mim assim. Não me lembro de um Agosto longe do mar. Não me lembro mesmo.
E ouço, acidentalmente, esta música e as coisas caiem em avalanche: o cheiro do mar; a maresia nos cabelos; a água fria, a areia nos pés; as amigas se sempre; a ausência de horários e problemas, a sensação de viver, temporáriamente, num mundo aparte, só nosso, fora de todas as coordenadas de espaço e tempo; os risos que repetimos iguais, desde crianças; a cumplicidade serena e segura; os cheiros...

Não sei quantas vezes ouvi esta música lá. Em noites estreladas a ver as pequenas luzes das traineiras no mar, ou com o manto de maresia que me aconhegava e não deixava ver quase nada. Ouvi muitas vezes, não porque a escolhesse, mas porque sim, porque alguém, nalgum momento, nalgum lugar, a passava. Talvez porque ela foi escrita, originalmente, tendo como inspiração, esta praia. A minha praia...
Não importa.

Este ano não. Este ano não é assim. Não é igual aos outros. Este ano não estou lá e, por isso, sinto-lhe a falta. Como quem sente a falta de uma parte de si mesma.
Mas este ano é diferente em tudo. É um ano de espera.
Para o ano também não será igual, porque nada nunca mais será igual. A despreocupação, a ausência de horários e obrigações não será mais a mesma, mas isso não importa. Ou importa, mas não é coisa má, é boa, muito boa.
Para o ano a vida recomeça. Para o ano alguém há-de começar a sentir a maresia e essa água fria, alguém há-de experimentar a areia e começar a descobrir risos e amizades cumplices, como nós, mães, descobrimos há tantos anos já.
Para o ano... Para o ano a vida recomeça.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Viagem



O carro deslizava apressado em direcção a norte. Por vezes tenho a sensação de que para o carro estas viagens são já rotina. Mas talvez não sejam.

Eu ainda me choco entre o querer - ou precisar- encontrar rotinas neste modo de vida, e entre o querer negá-las, impedir que se instalem com esse carácter. Aceitar alguma coisa como rotina é dar-lhe um carácter de longevidade no tempo, de inalterabilidade, com a qual não posso lidar. Não estas que fazem agora a nossa vida.
Estas não posso.
Preciso de dar-lhes o carácter de transitório. Tão transitório quanto possível. Passageiro apenas.
Porque preciso de rotinas, nossas. De espaço, nosso. De vida, nossa.
Tempo e coisas divididas entre casa dos pais e dos sogros. Vida dividida e apertada em malas de viagens que se fazem e desfazem duas vezes por semana.
A nossa casa à espera. Planos adiados e, algumas vezes, indefinidos. A barriga cada dia maior. Os movimentos, dentro dela, cada vez mais fortes, telúricos, já visíveis.

Para trás ficavam, como sempre, nos últimos meses, por mais uns dias, a cadela, inseparável até aqui, a casa onde se cresceu, a égua, as árvores, as flores que já não rego e que evito espreitar para não sentir mais vivo o abandono a que as votei, o cheiro do feno aquecido do Sol. Ficavam também a consulta, as compras no Ikea e as filas intermináveis, e a descoberta de como esta barriga nos pode ajudar a sair desses aglomerados de gente e confusão.
Para trás ficavam planos que se arrastavam indefinidos há tempo, mas surge uma nova realidade. Menos fácil do que se esperava, mas mais clara e definida e, por isso, melhor, apesar de tudo.
Preciso de certezas, de rumo certo, de um caminho a percorrer.

Desta vez não adormeço. Desta vez falamos durante toda a viagem.
Ele, segura-me a mão, a tempos, enquanto guia, e isso ajuda.
Ele segura-me, simplesmente.

Para-se junto ao mosteiro. É tarde já. Passagem de um dia para o outro. A noite fresca. Os cafés fechados. O cheiro dos plátanos. O silêncio. As mangas compridas do casaso dele a cairem-me sobre as mãos e a protegerem-me da brisa da noite. O edifício, enorme, sólido, senhor do tempo e da memória, e nós, os dois (os três), apenas, e os nossos passos lentos, cadenciados e sincrónicos, à volta dele. A nossa pequenez junto às portas, as pontas dos nossos dedos a tactearem os sulcos deixados nas suas pedras há mais de seiscentos anos já. Santa Maria da Vitória.
Desta vez não soavam fados nas esplanadas, mas era igualmente bom.
Que afinal devemos sempre voltar aos sítios onde nos sentimos bem.

Depois, no final da viagem, no final de tudo, o quarto e a porta que se fecha, por fim. Não o que eu queria, não como queria. Mas fecha-se; finalmente.
Porque a vida a dois é, afinal, tão mais simples do que tudo o resto. Tão mais compensadora. Tão mais forte.
Porque a vida pode caber apenas entre quatro paredes, e os embates e os desgastes, quotidianos, constantes e variados, vêm de fora, sempre.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Tempo


... quando reparo, estamos a horas de passar do segundo para o terceiro trimestre. O último.

E quanto mais perto está o futuro, mais perto está o passado.
Quanto mais fortes são os laços com o futuro, mais fortes se tornam também com o passado. Tão fortes...
Todos, todos tão presentes! Tãos meus! E eu tão deles todos!

terça-feira, 22 de julho de 2008

Clarinete


O meu avô J. toca [ainda] clarinete. Conhece os compositores, chegou a ensinar, aprecia opera.
Era eu menina pequena, que já andava pelo meu pé, mas ainda pedia colo, de tranças claras e compridas, onde os cabelos se soltavam, no final, a denunciar os caracóis largos que na altura ainda tinha; e ele levava-me para esses encontros.

As memórias são já vagas. Muito vagas. O cheiro, acho que da madeira, do salão antigo, a compenetração de alguns adultos e de meninos bem mais crescidos do que eu.
Há sempre alguma solenidade na música, quase uma reverência que nos invade, não sei bem se pelos ouvidos se também pelo ar que se respira quando nos deixamos invadir por ela.

Nunca, para desgosto dele, me deixei domar pelo rigor das pautas.
Gostava dos sons, da melodia, da harmonia, dos sentimentos que a música fazia adivinhar apenas, a uma menina que ainda tinha vivido pouco para os reconhecer. Gostava que ela tomasse conta de mim e de me deixar levar.
Gostava, mas nunca aprendi a tocar nenhum instrumento a sério.
As pautas... sempre as pautas. Não gostava de as ler. E apesar de me gabarem as mãos de dedos longos para pianista, o pouco que toquei em piano foi sempre mais por intuição do que por conhecimento de facto. E foi bem pouco.

Depois a vida enche-nos de solicitações e o tempo parece que nos é roubado, sem nem sabermos como. Há coisas que, simplesmente, vão ficando longe e se esfumam do nosso dia-a-dia.
Há tantos anos que não sou essa menina. Tantos quanto o mostram a fotografia que alguém tirou, e que existe em casa dos meus avós, do meu avô, muito mais novo, a ensinar um rapazito que nem sei quem era e de eu estar, de facto, lá, com as tais tranças, pequenina mas com ar de respeito.

Voltei a ouvir Mozart, mais por esta criança, confesso. O que não deixa de ser um motivo tão ou mais válido do que qualquer outro.
Ela agradece com pequenos toques enquanto lhe ofereço isto. E eu agradeço-lhe a ela a possibilidade de, longe no espaço e no tempo, fechar os olhos e estar lá de novo, e ser aquela menina pequenina. Ser aquela menina pequenina e tê-la a ela.
E à vida, ter estas memórias que me seguram e dão identidade, no meio de tudo o que, de avesso, surge.
Estar lá, lá longe de todas as coisas complicadas da vida.
Há momentos assim, minutos, que nos sustentam.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Mudanças

Sempre fui avessa a mudanças. Sempre. Desde que me lembro de mim.
Preciso de estabilidade, gosto de âncoras intemporais e referências imutáveis.
Acho que tenho muito de árvore, que precisa de ter as raízes profundas e seguras e se me tirarem isso sinto-me perdida, incompleta e acho que definho.

Sou assim com tudo. Guardo tudo porque não tenho coragem de me defazer de nada do que fez parte da minha vida.
Guardo coisas, sítios, pessoas e afectos.

Admiro (cada dia mais) as pessoas que são capazes de viver em qualquer parte do mundo e serem tão, ou mais, felizes do que no seu sítio.

Do mesmo modo, sou assim também com este blog, ou não seria ele meu.
Teve o mesmo template por quase 4 anos. Inaterável.

Bem sei que as minhas capacidades para o mudar são demasiado limitadas para me meter em aventuras mas, ainda assim, podia ter mudado alguma coisa. Ou tudo. Podia mesmo ter mudado de blog, mas não.
Era meu, muito meu, assim. Meu há muito tempo. Muito "eu".

Hoje cedi. Porque alguma coisa se tornou mais importante do que tudo.
Hoje cedi e coloquei a tal barrinha pequenina, ali ao lado.
Pequenina. Espécie de compromisso entre manter o blog como meu, como sempre foi, e deixar que também nele, como em tudo o resto na minha vida, esta criança tomasse o lugar de relevo.
O blog é meu. Continuará a ser, como até aqui. Mas ela... (ou ele) é na minha vida tudo aquilo que, imagino, todas as mães sabem o que é.
Portanto mudei alguma coisa, pois. E com isso lá se foi o contador, lá se foi, sem querer, a ordem das coisas ali ao lado, lá houve alterações na letra. Enfim... mudou e, por um lado, isso basta-me para o sentir diferente, coisa diversa do que era. De modo que não sei até que ponto não mudarei mais. Até onde me sentir confortável com isso, claro.

Porque afinal há mesmo mudanças que são inevitáveis. E porque mais do que mudanças, são evoluções.
Não gosto de mudanças. Dou-me mal com elas, sofro, muito, porque mudar significa sempre perder o que se tinha ou se era. E eu não consigo ser uma coisa diferente da que sou, da que sempre fui, do que é a minha essência.
Mas, bem vistas as coisas, é apenas uma evolução. É isso.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

In love*

Absolutamente, completamente, estúpidamente... por esta criança.
(ok. e pelo paizinho também, se querem saber, pois... Naturalmente.)

* Post insuportavelmente enjoativo! Tanto quanto surpreendente, porque não me lembro de fazer declarações destas assim, com todas as letras, e sem arabescos, artíficios de linguagem, substilezas, ou coisas afins aos quatro ventos (nem mesmo só para mim).
Surpreendente ou... nem por isso! ;)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

24s

Este blog não foi transformado num baby-blog, como amistosamente (e em brincadeira) alguém lembrou a hipótese. Até nem tem a tal barrinha lá em cima.

Não foi, mas também não tem restado nada mais. Está transformado num blog hibernado que, de vez em quando, abre um olho, devagarinho, se muda vagarosamente de posição, e volta a dormir.
É mais assim que ele agora anda.

Enquanto isso a vida da dona dá voltas e voltas. Muitas.
Muitas mudanças, muitas adaptações, muitas coisas ainda por mudar e por fazer e por viver e...

E, no meio deste turbilhão, e por falta de tempo (e de organização mental e coisas assim) para escrever um post decente, destaca-se uma coisa, sim.
A mais importante de todas. Dizem as ecografias e as médicas que esta criança faz hoje 24 semanas.

É meiguinha. Sinto-a, já há tempo. Sinto-a mexer-se, mudar de posição, sinto-a tocar-me (há partes que não sei se são minhas ou dela), mas não costuma dar pontapés.
Dorme as manhãs e prefere as tardes e as noites. Já foi mais noctívaga, apesar de tudo.
Conheço-lhe os ritmos e mesmo algumas reacções a determinados estímulos.

Cresce bem e decidida e tem um narizinho arrebitado. Mas insiste (e insiste, e insiste...) em não deixar confirmar se é menino ou menina.

Muitas vezes acho que não estou à altura dela, que não estou preparada, que não tenho a força suficiente, que... Penso. Muitas vezes.
Mas também penso, às vezes, que não tenho o direito de sentir sequer estas coisas e que se não estou à altura, que aprenda a estar, que se não estou preparada, que me prepare (depressa), que se não tenho força, tenho que a arranjar, que...

Não são só coisas bonitas, estas da maternidade (ou da vida, me geral, e não da maternidade em si mesma). Não são só alegrias e brilho e certezas e segurança. Há dúvidas, fraquezas e medos.
Mas há também a descoberta de um amor maior do que o universo, muito maior, e este já vai com 24 semanas.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

16s

Faz hoje 16 semanas.
Achei que, passadas as 12 semanas, ia deixar de andar tão de coração nas mãos. Na noite em que completou 12 semanas, depois da luz apagada, respirei fundo. Tão fundo como não me recordo de alguma vez o ter feito, enquanto me encolhia, aninhada nos braços do pai dele. Senti-me em paz e protegida e, mais do que tudo, agradecida por termos passado aquela barreira (que nem sei ainda se tem mais de real ou de psicológica), e dormirmos os três, em paz.
Ainda me soa estranho, por vezes, dizer nós os três...

Os sustos tinham sido muitos até aí. Abrandaram, é um facto.
E estava óptimo(a), segundo a médica.
Mas ainda vivo em sobressalto, ainda tenho um medo, muitas vezes, maior do que o que imaginava conseguir suportar. Suporto-o porque não o faço sózinha, eu sei.
Sorte a minha, pois. Não enjoei o cheiro do pai (ou o pai, em si mesmo) como algumas amigas minhas. Nada me tranquiliza como a presença dele, o contacto, a voz, a pele, a força, o jeito, as palavras. E quando não está, farejo-lhe o cheiro na almofada, no meu pijama, na minha pele. E leio os livros dele, os mesmos que ele leu, e passo os dedos nas anotações que fez, como se o lesse a ele, com a ponta dos dedos.

Sem dar por isso, dou comigo, muitas vezes com a mão pousada, em repouso, sobre a barriga. Já cresceu sim, e já não cabe em nenhuma das calças que usava antes.
A vida, essa, não cabe, também, nos moldes que antes tinha. Mudou tudo. Mas é sempre assim, não é? Uma criança vira-nos sempre a vida de pernas para o ar. E, no meio do turbilhão de mudanças, tudo fica melhor. Tão melhor que nem a nossa imaginação teria conseguido conceber essa realidade.

Ainda nem sabemos se é menino ou menina, os medos ainda cá andam, mas faz hoje 16 semanas e só não vou dizer que é a luz da minha vida porque é muito mais do que isso, e não existem palavras para o(a) classificar.

domingo, 4 de maio de 2008

# 1

Depois de tanto tempo sem escrever, nesta passagem fugaz pela internet, reparo que, apesar de nunca ter tido tantas coisas sobre o que escrever, também não sei o que dizer.
Ou não sei o que dizer, ou não sei como dizer; que é mais essa a realidade.

Não sei mesmo... E não esperava que fosse assim.

Pelo menos digo que estou bem.
Que não tenho escrito porque, entre outras coisas, não tenho tido acesso à net.
Acho que devia isto. E devia-o quase em jeito de pedido de desculpas por este silêncio que tem preocupado algumas pessoas.

Deste lado tem havido alguns sustos, e muitas mais mudanças.
Também posso dizer que me tornei numa pessoa muito mais feliz do que alguma vez imaginei, sequer, que fosse possível ser-se tanto.
Muito feliz e com muita sorte.

Ah! E também que hoje é dia da Mãe e que este ano, bem desde os primeiros raios de luz que entraram pela janela, ele foi o mais especial de todos até ao presente.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Me, myself and...

Eu não sou só eu (eu e todas as outras pessoas). E sou-o menos só eu, do que há uns tempos.
Eu sou eu e as pessoas de quem gosto, as que estão perto de mim e as que estão longe, e que porque não estão perto, estão mais do que isso: estão em mim.
Eu sou eu e as pessoas que fazem parte de mim, neste mundo e no outro.

E por isso, porque eu sou menos só eu, este blog fica mais árido, porque aqui não posso (não quero, não devo, não posso, em suma) ser mais do que só eu. A parte de mim que não sou só eu, fica de fora, e essa, é de longe a melhor, a mais rica delas. De longe!
Eu não sou só isto, e mesmo sabendo eu isso muito bem, assustei-me quando passei os olhos pelo blog. Ele, últimamente, anda de uma pobreza franciscana. Pobreza franciscana no menos bom do sentido dado à expressão (porque é bom que diga que tenho a maior da admiração pela ordem dos franciscanos). Anda árido, básico, pobre e até muito abandonado.

Anda assim, é verdade. É pena também, por um certo lado.
Mas por outro lado, é assim mesmo. Não é mau.
A parte de mim que não sou só eu, é mais pequena. E quanto mais rica é a outra parte, o eu inteiro, o eu que sou eu e quem mais faz parte de mim, mais pobre o blog. Porque esse eu, sinto a necessidade de resguardar.
Como diz o povo, e com isso tanto pode dizer muito como não dizer absolutamente nada: é a vida. E por um lado tenho pena, sim. Pena a sério. Mas por outro, não.

[E pronto. É este o resultado de uma noite mal dormida e cheia de pesadelos. E sim, a falta de tempo também é um factor com algum peso na questão]

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Saudades...

... de ser pequenina.
Hoje sinto-as. Muito.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Roteiros

Perguntem-me o que visitar em alguns sítios e num ápice arranjo um roteiro completo e atafulhado de coisas a conhecer. Três dias em Santiago de Compostela, dois em Vigo, quatro dias em Veneza, outros quatro em Milão (e não mais porque não gosto da cidade), cinco em Florença, oito em Roma. Cheios. E podiam ser mais, se quiserem.
Dias daqueles de aproveitar todos os minutos, andar a correr de um lado para o outro, comer com tempo cronometrado e chegar à noite a cair para o lado de cansaço (cansaço do bom).

Sim. Podem perguntar-me.
Mas não me perguntem o que fazer em Lisboa.
Não consigo olhar para Lisboa com olhos de visitante, descobri esta semana.
E é uma pena, porque sei bem, e todos sabemos, que Lisboa é uma das cidades mais bonitas da Europa, que está repleta de história e cheia de monumentos (os americanos até a elegeram há pouco tempo, como o terceiro melhor destino turístico do mundo.).

Lisboa é a minha cidade. É linda de morrer, tem uma luz mágica e um encanto só dela, mas não sei o que fazer nela, em tempo de lazer. E tem imensas coisas, pois tem. Tem a maior oferta do país, mas é a única cidade onde eu não sei o que fazer com o tempo disponível.
E não vale a pena pensar na zona do Parque das Nações ou de Belém. Lindas, não são?! Mas essas já me são muito familiares.

Não sei o que fazer em Lisboa.
É ridículo e é irritante, mas é um facto.
Por algum motivo se diz que santos da casa não fazem milagres.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Do passar do tempo

Há um ano nevou um bocadinho (não hoje exactamente. há um ano e um dia).
Há dois anos nevou muito.
Hoje, esteve tanto Sol que me pergunto se estamos na mesma época do ano.

Fui lá fora buscar lenha para a lareira (porque as noites sim, continuam frias) e pareceu-me ouvir o canto de uma ave.
Já estava escuro e lembrei-me que quem canta assim e à noite é o rouxinol. Mas achei que era impossível ele estar a cantar nesta altura. Só podia ser a minha imaginação.
Fui lá atrás confirmar, mais perto da mata e era mesmo. Lá fora, na mata - na mata que é quase o meu segundo coração - o rouxinol está a dar um concerto.
O primeiríssimo do ano.
Um presente muito especial. :)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Das refeições

Eu gosto é de pequenos-almoços e lanches. São as minhas refeições preferidas.
Gosto delas assim com tempo. Tempo para as preparar e tempo para as tomar devagarinho, sem pressas. Tempo para conversar distraidamente enquanto como, ou para, se sózinha, perder as vistas lá por fora, enquanto me perco também em viagens mentais. Porque se estou sózinha tomo-os na varanda quando o tempo deixa, e se não deixa, tomo-os na cozinha de um lugar na mesa de onde se vê bem a rua.

Gosto de leitinho e pão, fresco ou em torradas, com manteiga e doce de ginja. Gosto de fruta e de queijo.
Gosto de enrolar uma ponta de cabelo nos dedos enquanto mastigo um bocadinho de torrada (só levemente tostada) com muita manteiga e algum doce, e enquanto vou à lua e venho.

Gosto muito de pequenos-almoços e de lanches.
Não saio de casa sem o pequeno-almoço, mas durante a semana prometo sempre a mim mesma que no dia seguinte me vou organizar de modo a tomá-lo com mais tempo.
E gosto muito de lanches mas, durante a semana, raramente tenho tempo para eles.

Hoje, porque a tarde estava com uma luz dourada e o Sol aquecia, levei o tempo a sonhar com um lanche na varanda.
O que eu daria para largar o trabalho e ir preparar um lanchinho e depois tomá-lo vagarosamente na varanda.
Nunca acho que o pequeno-almoço ou o lanche dêem trabalho demais a preparar.

Tive que me contentar em preparar o jantar.
Nada de complicado. A sopa estava feita e foi só aquecer. Um bife, que é coisa que se faz num instante e puré de batata.
E no fim, e depois de até me ter sabido bem a refeição, vou à cozinha e enquanto a arrumo resmungo contra o absurdo de sujar tanta loiça para o jantar de uma só pessoa. Se fosse um pequeno-almoço ou um lanche, faria todo o sentido...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Entendimentos

- ... há pessoas que se tornam tão importantes na nossa vida que não só nos interrogamos, já sem memória, acerca de como era a nossa vida e as nossas emoções antes dessas pessoas, como até nos interrogamos se houve mesmo um "antes" dessas pessoas. Simplesmente porque parece impossível que tenha havido mesmo um "antes", e houve claro. Mas altera-se a percepção do tempo, e da importância das coisas, e até a noção das nossas vivências e mesmo a nossa memória, entendes Margarida? Há pessoas que surgem na nossa vida, e que podemos datar até esse acontecimento, mas depois, dentro de nós, não nos lembramos de como era possível ter vivido sem elas, se calhar até porque hoje não saberiamos como viver sem elas. Entendes-me?

Pois. Entendo sim. Existem.

Coisas de mulheres # 2

No Verão, nas férias, tive a infeliz ideia de ir na conversa de, nem mais nem menos do que quatro amigas minhas, e enfiar-me num salão de cabeleireiros fabuloso, onde trabalhava um cabeleireiro fabuloso, sensível como uma menina (e mais coisas como uma menina), onde as marcações para tão fabuloso sítio e tão fabuloso atendimento eram feitas com vários dias de antecedência.

Lá consegui marcar, para mal dos meus pecados, para um dia que se revelou um dia, esse sim, verdadeiramente fabuloso de Sol e de mar (coisa que rareou este Verão).
E estive lá, sentada na cadeira (ora numa cadeira, ora noutra), a ser atendida ininterruptamente entre as duas da tarde a as sete e quinze (sim: 19H15m). Cinco horas e 15 minutos, em que recebi um fabuloso tratamento, ao meu rico cabelo que repetiam-me ser, óbviamente, fabuloso.

Durante uma tarde inteira, mexeram e remexeram no meu cabelo, cortaram, fizeram madeixas (de que ainda ando a tentar livrar-me), pintaram de castanho as pontas do cabelo ( as que não estavam incluídas nas madeixas) porque estava louro do Sol e do mar, lavaram, puxaram, pentearam, e sabe Deus mais o quê.
Durante essa tarde também me ofereceram cházinhos e cafézinhos e águinha e simpatia demais.

Mais tarde, em parte para exorcisar a coisa e em parte para preparar uma pessoa para os estragos que veria dali a um ou dois dias (já não me recordo bem a que dia da semana se deu o acontecimento) no meu rico cabelo, pergunto a quem estava do outro lado do telefone, quanto é que ele achava que tinha gasto nisto tudo.
Quando, depois deste relato, nos respondem 25 euros, percebe-se logo que, do outro lado estava um homem, porque como é óbvio, para que levassem uma tarde inteira a estragar-me o cabelo, foi preciso fazer várias multiplicações a esses 25 euros.

E isto tudo vem agora, em pleno Janeiro, à baila porquê?
Porque me lembrei de comprar baton para o cieiro. Simples, banal, só para hidratar. Labello, ou coisa assim.
Entrei num mini-mercado e perguntei se tinham (no meio de tanta coisa do género, não sei porque não tinham).
E não tinham, mas indicaram-me, gentilmente, uma ervanária mais acima. E eu fui lá, e pedi isso mesmo: um baton para o cieiro.

Apresentou-me dois à escolha e dissertou acerca de cada um. Confesso que, para além da cor da embalagem, duvido que divergissem em mais alguma coisa.
Escolhi um, claro. Tinha que escolher um.
Já o utilizei e parece-me igual ao Labello. Se não visse a embalagem diria que era igual. Mas claro que este vem de Itália, é feito de uns óleos únicos, tem umas características muito próprias e é muito especial. Pelo menos no preço que, mais uma vez, para se achar o valor correcto, teve que se multiplicar muitas vezes o preço de um baton normal.

Ainda bem que estas coisas me acontecem muito espaçadamente, porque odeio estas mariquices e fico fula porque me sinto enganada.
E escusam de tentar enfiar-me na cabeça que mulher que é mulher a sério, tem que apreciar estas coisas, porque eu detesto.
Em tudo o resto sou muito feminina, em muitas coisas acho que até devia ser menos, mas nisto... nisto não.
Odeio que me levem dinheiro assim, e acho que é apenas um insulto à inteligência das pessoas quando associam feminilidade, elegância, requinte, bom gosto e coisas que tal, a coisas que sem serem em nada melhores do que as outras, têm preços absurdos.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sítios bonitos


A Livraria Lello foi apresentada, pelo The Guardian, como a terceira livraria mais bonita do mundo.
Eu acho que deve ser mesmo.

A Livraria Lello é umas das coisas bonitas do Porto. Um dos seus encantos. E eu gosto do Porto.
Os lugares são um bocadinho como os vinhos, há imensos parâmetros para os avaliar, mas o que nos fica na memória é o final de boca. O Porto tem um final de boca longo e redondo. Aveludado e doce.
Sente-se ao fechar os olhos, quando se passa pela ponte que nos afasta do Douro. Sente-se quando se fecham os olhos, dias, semanas, meses depois. Igual. Intenso.

Pois, o Porto é um vinho tinto. Granada, redondo e frutado, cheio de frutos vermelhos. Com umas notas de baunilha - nem muitas nem poucas - apenas as dadas pelo carvalho da pipa. Com pouca queima.

O Porto não é um mono-varietal. Está cheio de equilibrios e complemantariedades. Os taninos e personalidade da Touriga Nacional, a suavidade da Tinta Roriz, a densidade do Castelão, as notas únicas do Pinot Noir, a elegância do Cabernet (e eu, nos vinhos e nos lotes, já estou como o meu pai, afinal).
O Porto tem a Ribeira e as casas em presépio, tem o passeio à beira Douro, as francesinhas do Capa Negra e as gargalhadas até às lágrimas, tem as lágrimas a sério, tem as noites húmidas, as conversas cumplices até o céu começar a clarear lá fora, tem até o arquivo, tem o mar. Pois... o mar... e o que não se revela.

Mas ia eu dizer que o Porto tem a Livraria Lello, onde me levou a minha prima (li há uns anos que primo, é o melhor dos parentescos porque é o único que nos permite escolher quem incluímos e quem excluímos).
Tem, e é, de facto, um sítio lindo, lindo.
Mais templo que livraria.
Especial pela arquitectura, pelos livros que lá se encontram (muitos antigos e raros), pelo ar que lá se respira. Especial, em suma. Ainda bem que foi reconhecido.

(Sim, devia ter links, mas como estavam a dar erro e eu perdi a paciência... vai sem eles. Até porque eu gosto de escrever é sem ter que me preocupar com a forma: links, notas de rodapé...)

Bom tempo

As tardes não estão só maiores. Não se limitam a estender-se um bocadinho mais, de forma a oferecer-nos mais uns instantes de luz.
As tardes estão também mais brilhantes, e a de hoje está tão brilhante, que me soa a prenúncio de Primavera (por muito cedo que o calendário diga que é).
O que me apetecia mesmo era um lanchinho, em boa companhia e tagarelice, numa esplanada com o azul do mar em frente. E mesmo só esse apetite, já me sabe bem.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Implicâncias

Não suporto, mas não suporto mesmo, o anúncio do Banif.
Não o suporto na televisão e não o suporto na net. O primeiro impulso é tirar aquilo da minha frente.

Não suporto. Eu até gosto de cavalos (especialmente da minha égua). E também não tenho nada contra os homens. As duas coisas juntas é que não.
Bem sei... da mitologia... o centauro. E eu até gosto de mitologia, e até sempre gostei dos centauros. Mas cada coisa no seu lugar.
E nem sei bem porque é, mas embirro mesmo com a coisa.

Podia pensar-se que o anúncio afinal resultou, porque reparei nele, estou aqui a perder tempo a falar dele. Mas não, não resultou.
Eu já conhecia o Banif, razoávelmente bem, antes do anúncio. E agora, a primeira reacção ao ouvir a palavra é a mesma que tenho ao anúncio.

Há anúncios tão bons por aí...

( E giro, giro, é que reparei entretanto, num suplemento do "Expresso" que a parte de cavalo do centauro do Banif é, afinal, uma égua. A criatura é, portanto, meio homem (parece), meio égua; meio masculino, meio feminino. muito especial, muito especial mesmo. grandes problemas de identidade deve ter a criatura...)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Coisas de Inverno*

A minha Mãe diz que quando eu era pequenina dava umas noites santas, que adormecia lindamente e dormia toda a noite.
Era, portanto, um descanso.
Não precisava de rituais para dormir, nem de objectos para facilitar o sono, como uma fralda, um boneco específico, as fitas de uma almofada (como o meu irmão). Nada de nada. Chegada a hora, era por-me a dormir, e pronto.

Então e não é que agora, se estiver mais tensa, durmo melhor se segurar um objectivo preciso, no caso uma pedrinha, que no pouco tempo que a tenho, já passou duas noites fechada na minha mão?!
E, para além disto, agora só me sinto reconfortada quando bebo, antes de dormir, uma caneca de leite quentinho, com café (tofina; para ser mais exacta)?! Se não dormir em casa ou se sair e vier tarde, dispenso isto, mas só nestas circunstâncias.
Mesmo sabendo divinamente essa caneca de leite quentinho, bebida devagarinho, quando normalmente já sou a única a pé, espero que estes hábitos recentes desapareçam. Pois se nem em pequena eu tinha estas dependências...
(mas, mesmo sendo agora horas de jantar, só de pensar no leitinho do fim da noite, sinto-me reconfortada...)

* Espero eu!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Amores-perfeitos

Hoje, enquanto esperava a minha vez para ser atendida numa loja onde comprei mais 4 bolbos de túlipas (de umas cores, que se florirem assim, são admiráveis; e da variedade que quero, porque não quero bolbos hibrídos, que para o ano comecem a degenerar), para juntar aos outros 23 que já tinha (plantados), tinha à minha frente, uma velhota que tinha ido comprar amores-perfeitos.

Tinha umas rosetas coradas na face e uns olhos brilhantes como uma menina de 10 anos. Pequenita, tinha um sorriso contagiante, de tão genuíno.
Meteu conversa.
Falou do tempo e do marido; das flores e do marido; dos filhos e do marido; da casa e do marido; do trânsito e do marido; do Natal de agora e do tempo dela e do marido; do acidente do neto e do marido; do casamento da neta e do marido; da loja do filho e do marido; mais das flores e do marido.

Tinha 82 anos, essas rosetas de cores cheia de vida, esses olhos brilhantes de menina e esse sorriso genuíno como vi poucos. E falava do marido com esse ar de criança que acaba de descobrir a maior maravilha do mundo e disse, vezes a que perdi a conta: ...é o melhor homem do mundo...!

E ficava assim, de olhinhos a brilhar, a olhar para mim.
E eu devo ter ficado também de sorriso estampado por ver que afinal existem mesmo amores perfeitos. Podem ser raros, pode até ser único, mas existem e transformam velhinhos em crianças de sorriso rasgado.

Devagar, devagarinho, quase parados...

24 de Julho, Lisboa, noite de Domingo para Segunda, 01:AM, semáforos verdes, ausência total de peões à vista e quase total de viaturas a circular.

Isto tudo e um flash que dispara na escuridão. Sim o carro ia a mais de 50Kms/h, mas pouco mais.
Paparazzi não eram, donde...
Sim, a coisa até tem o seu charme. Principalmente porque nunca tinha experimentado. Uma multa de velocidade (mesmo não sendo eu a guiar) e um flash nocturno de um radar tem o seu encanto, num quase, quase final de noite.

Não era eu que ia a guiar (e ainda bem, porque senão a coisa era bem mais complicada do que a velocidade do carro), mas a culpa é a mesma porque eu devia ter atenção às placas e sim, o radar estava assinalado, e o limite de 50Kms/h também.

Ora, se não é exagero o que é aquilo?! Mas que mal faz circular na 24 de Julho naquelas condições àquela velocidade?
E mal refeita disto, fica-se a saber que o limite agora, dentro das povoações é de 30Kms/h.

30Kms/h?!?! Querem que as pessoas atravessem Lisboa a essa velocidade (isto quando não estiverem presas nas filas de trânsito)?! Mas quanto tempo demorará agora conseguir tal façanha?
Mas há necessidade disto?

Não sou adepta da velocidade mas já me tem acontecido andar de bicicleta (em piso plano) a um bocadinho mais do que 30Kms/h. Se passasse por um desses radares, de noite, teria direito a mais um flash.
Assim, mais vale mesmo andar a pé.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Banda sonora para uma noite de chuvisco

(...) Daylight licked me into shape
I must have been asleep for days
And moving lips to breathe is name
I opened up my eyes
And found myself alone alone
Alone above a ranging sea
That stole the only boy I loved
And drowned him deep inside of me (...)

Just like heaven. Porque sim, porque a Katie Melua assenta bem em noites de Inverno. Apenas por isso. Nada biográfico, portanto.
Por acaso, até nem me sinto nada perto do céu. Também já há muito tempo que não me sentia assim, que não me sentia tão longe dele (do céu).

Sábado ou Domingo

Este Sábado parece-me Domingo. Um Domingo à tarde, silêncioso e lento. Palavra que já me enganei e declarei, com segurança, que hoje era Domingo.

Acho que foi porque ontem mal consegui trabalhar, e porque há duas noites que quase não durmo. Por isso e por causa desta dormência dos medicamentos e de quem espera que o tempo passe para, com ele, levar febre, dores e mal estar.

Detesto ir ao médico, passo anos sem lá ir. Mas no ano que passou, vi-me obrigada a ir umas quantas vezes. Não sei bem quantas, e embora pudesse, com um pequeno esforço, contá-las mentalmente, não quero.
Por mim não teria ido, mas acho que devo dar graças a Deus por ter quem me tenha obrigado. Sabendo que tinha de ir, mas não querendo ir, o melhor que me podia acontecer era ter com quem teimar e dizer que não, que não ia, que não queria, e ter a certeza que ia, porque tinha que ir e não me seria dada a possibilidade de não ir.
Às vezes é bom ter quem mande em nós o suficiente para nos obrigar a fazer o que deve ser feito (e para nos amparar quando isso nos dói muito).

Ontem fui. E não foi preciso mandarem-me. Fruta da época: a garganta. E mais um extra, esse sim, mais doloroso, uma inflamação num nervo (a que ontem chamei, repetidamente, musculo).

E hoje, passa-se assim, vagarosamente e cinzento. Umas horas na cama, outras levantada por casa. Lê-se blogs que não se conhece e bebe-se um cappuccino (muito) quente, com o comprimido da tarde.
Não é mau de todo um Sábado assim. Este não-fazer-nada sem sentir qualquer obrigação de fazer alguma coisa é bom, e eu já nem sei quando foi a última vez que o senti.
E a febre dá sinais de se ir embora, o nariz pinga menos, a garganta já quase não dói. Apenas a dor (forte) no nervo persiste (e persistirá por mais algum tempo).

Há um tédiozinho nisto. Há uma frustaçãozinha também, de quem não pode ir onde gostava de ir hoje, mas também a tranquilidade de ter uma justificação para não ir onde não queria ir.

Não é mau, este dia assim. Mas já não sei bem o que fazer, quando não é preciso fazer nada.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Das coisas que funcionam

Ontem à tarde, mas mesmo assim ao final da tarde, aproximou-se uma trovoada. E eu costumo ser cautelosa. Uma cautela assim feita de experiências vividas nestes assuntos, de avarias em pc´s e outras máquinas e de modems estragados por trovoadas. Por isso costumo, nestas situações, desligar o computador, e desligar mesmo a ficha da tomada e desligar o modem do micro-filtro, porque sei muito bem que se não for assim o desagradável pode acontecer.

Mas ontem não. Não estava para aí virada.
Os clarões dos raios eram visíveis e o ribombar dos trovões era bem audível, mas eu estava ocupada, tinha uns mails para mandar, o dia de trabalho estava a chegar ao fim e por isso, não me apetecia desligar o computador e ficar com aquilo para fazer depois da hora, ou mesmo hoje.
Portanto, não desliguei, pensando... é só mais um bocadinho.
Só que nesse bocadinho, fez-se um clarão na secretária e ouviu-se um estalo mesmo do meu lado direito. O modem começa a piscar e acabou-se. Morreu assim.

Ora, já escuro, ligo para os senhores da telepac, e eles fazem uns testes na linha, que estava, operacional. E dizem que não é da linha (isso já eu tinha percebido) e que vão reportar a avaria e tal, e que depois, mandam cá um técnico de acordo com a disponibilidade do mesmo.
E eu fico a pensar: ora estamos mesmo no final de quinta-feira, hoje não conta; amanhã é sexta e devem ter imenso que fazer, depois é o fim de semana e, se tiver sorte, talvez na segunda ou assim, me resolvam isto.

Pois não foi assim. Hoje de manhã, telefona-me um senhor da telepac, a perguntar se podia passar por cá, imediatamente a seguir.
E veio, e esteve cá toda a manhã, mas ficou resolvido.
Eu ligo ontem ao anoitecer e hoje logo de manhãzinha resolvem o problema?!
Há coisas a funcionar bem neste país... pena é que causem tanta estranheza que nos levem a reparar assim nelas e a comentar o sucedido.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Torradinhas

Uma amiga disse-me, há pouco tempo, durante uma conversa de meninas, que um dos parâmetros que nos permitiam perceber o quanto gostamos de alguém é o que ela chama de parâmetro das torradinhas.

Diz ela que, normalmente, não temos gosto nenhum em andar a fazer cházinhos, aquecer leitinho e fazer torradinhas para outras pessoas. Afinal que gosto pode dar-nos termos trabalho?!
Mas quanto gostamos, isso transforma-se, e passamos a apreciar fazer essas coisas.
Segundo ela, quando ainda mais do que o gosto, é uma compulsão que sentimos para fazer cházinhos em caso de constipação, aquecer copinhos (ou canecas) de leite, e fazer torradinhas só porque sim, então é porque gostamos mesmo dessa pessoa.

Na minha família mais próxima, criou-se a crença que eu tinha uma espécie de talento - mais uma inerência - de fazer cházinhos e zelar pela toma dos medicamentos, quando alguém está doente.
Criou-se essa ideia e é verdade que, se ninguém o fizer, eu faço porque acho que tem de - deve - ser feito. Mas se a minha Tia-avó M., que me fazia isso a mim, e passava horas seguidas à minha cabeceira quando eu tinha qualquer coisinha, já não está entre nós e se, desde essa altura, ninguém (no núcleo familiar de sangue) demonstra o mais pequeno cuidado, ou mesmo interesse, comigo nesse sentido, porquê que eu hei-de andar a orbitar em volta de alguém que não tem mais do que uma pequenina gripe? Porquê que hei-de ser eu a preocupar-me com os horários dos medicamentos (sem importância, no caso) e ter de os dar à boquinha da pessoa, e fazer cházinhos, e aquecer água para beber, e baixar o nível do termómetro, e ser eu a ver a temperatura que marca, e ser chamanda por tudo e por nada? Porquê?? E tudo isto sem nem um obrigado?! E tudo isto num tom, como se não fizesse mais do que a minha obrigação?! E não; essa obrigação, a existir (e não existe, porque não é caso para isso), não seria minha.

Pois acho que essa minha amiga tem razão. Há por quem seja um suave e prazenteiro gosto fazer torradinhas e por-lhas à frente. Um deleite mesmo.
E há por quem se tenha tornado um frete sem sentido.
Acho que o parâmetro das torradinhas existe mesmo.