quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Os outros

É muito bonito pensar nos outros.
Pensar no bem dos outros, "não fazer aos outros o que não gostavamos que nos fizessem a nós", como me repetia a toda a hora a minha Avó quando eu era pequena, e coisas que tais.
É muito nobre pôr os interesses dos outros à frente dos nossos, abdicar estóicamente da nossa vontade para não desgradar aos outros.
É muito bonito, pois é. Mas, às vezes, não é bom. E, se calhar, nem é justo.

Levei uma vida inteira assim. A pensar nos outros primeiro. A não fazer o que não lhes agradava.
Anos depois, ouvia dizerem-me: Nunca te proibi de nada! Sempre fizeste o que quizeste!
Pois foi. Nunca me proibiram nada; bastava um olhar significativo e um: Não sei se é boa ideia!
Bastava isso.

Mais tarde ainda, nem era preciso dizer nada. Às vezes adivinhava, às vezes percebia um leve semblante de desconforto e... decidia em função disso.
Decidia sempre em função dos outros. Tanto, que me parece que não foram capazes de perceber que sou uma pessoa com inteiro direito a tomar as minhas opções. Tanto que qualquer decisão que tome causa o abalo de um enorme terramoto no mundinho à minha volta.

Cansei-me que não se alegrem com o que me faz feliz, mas sim com o que julgam que seria bom para mim [ou para a pessoa que julga]. Cansei-me dos silêncios de túmulo e dos semblantes carregados quando decido por mim, sózinha. Cansei-me do desconforto de me sentir mal e culpada por coisa nenhuma para além de tentar viver a minha própria vida, de acordo com as minhas opções.
Cansei-me de me sentir, ao mesmo tempo, sózinha e sufocada!
Cansei-me! Cansei-me, mas nem por isso deixo de me sentir triste por não se alegrarem com o que me podia [ podia, apenas] fazer feliz!

Apetecia dar um murro na mesa, fazer as malas de vez, virar as costas e mudar de continente. Pensar em mim, só em mim, e esquecer!
E lembrar-me que não o fiz, há poucos anos, por causa dos outros...

sábado, 26 de novembro de 2005

Six months after

Há seis meses estava a lamuriar-me porque, afinal, tinha que começar um trabalho que, bem vistas as coisas, não queria.
Tinha concorrido só porque sim. Porque nunca me tinha sujeitado a uma prova dessas, porque ou trabalhava para a família ou em coisas que me eram oferecidas. Nunca tinha tido que me sujeitar a uma entrevista, a ver avaliado o meu curriculum e capacidades, nunca tinha competido, à séria, por um posto de trabalho. Era um desafio e... era bem pago.

Foi bom consegui-lo. Fez bem ao ego. Mas só isso.
Foi bom consegui-lo, mas não era bom ter que o fazer. Não me apetecia. Mas afinal...

Seis meses depois, as pessoas com quem não me apetecia trabalhar revelaram-se fantásticas, o ambiente de trabalho era tudo o que se pode pedir, algumas delas tornaram-se muito próximas. O que tinhamos de comum apróximava-nos, o que tinhamos de diferente - e era muito - complementáva-nos.

Durante seis meses usei e abusei da flexibilidade de horário, muitas vezes chegava às duas e meia ou três da tarde, dava meia volta, dizia que tinha de ir almoçar e descia. Mas saía já de noite, quando tudo estava em ordem.

Durante seis meses eu, criatura avessa a números, tive que aprender a avaliar projectos de investimentos, lidar com margens, com encargos fixos e variáveis, com amortizações, e com millhentas coisas relacionadas. Valeram-me o A., com a sua calma e cheio de ideias novas e simples trazidas do MBA em Gestão tirado nos E.U.A. e a dedicação do G. que lá largava a Surf Portugal, lida às escondidas, para correr para a minha sala se me sonhava com uma ligeira dificuldade.

Durante seis meses ensinei-lhes coisas que não sabiam. Afinal era por isso que nos tinham escolhido com formações diferentes.

Durante seis meses rimos como crianças irresponsáveis em reuniões importantes, por detrás de fatos adequados à ocasião. E recebemos os parabéns pelos resultados!

Durantes seis meses andámos de um lado para o outro, por aí, neste país. Para cima e para baixo, no litoral ( não conhecia bem o litoral alentejano!) e no interior. Nos mais variados transportes, em carros de topo de gama novinhos, em carroçarias de pick-ups, em moto-quatros, de tractor...
Limpinhos e arrumados ou sujos de pó e com o cabelo em desalinho ( às vezes cheio de sal, resultado de uma escapadela até ao mar).

Durante seis meses falámos com pessoas absolutamente diferentes. Deparámo-nos com um país que é muito diferente do que conhecemos à volta de Lisboa e das outras grandes cidades. Descobrimos que existem vários países dentro deste, paralelos, encostados e com diferenças abissais. Tivemos acesso a locais e a informações que nos seriam vedadas de outra forma, e aprendemos muito com isso.

Durante mais seis meses deixei a tese parada. Sem lhe mexer para nada, sem lhe dar sequer uma vista de olhos de fugida. Mas durante estes seis meses, não me senti culpada por isso.

Durante estes seis meses foram-se desenvolvendo amizades sinceras. E alguns afectos de outra natureza entre algumas pessoas.
O G., realmente um privilégio para a vista, foi-se tornando próximo. Muito próximo.
As conversas, progressivamente mais cumplices, as festas no cabelo o contacto que não sobressaltava, antes acalmava, podiam ter tomado outro rumo. Mas o coração é dono e senhor e, nestes seis meses, mandou-me sempre outra coisa.

Ao fim destes seis meses ainda tenho umas coisas - outras coisas - para fazer por lá até ao fim do ano. Eu e algumas pessoas. Mas só algumas. É tudo diferente.

Ao fim de seis meses vou fazer um trabalho, na minha área de formação, para uma SA, cujos principais accionistas foram meu colegas até ontem. E vou continuar com as outras coisas e...
Trabalho não falta, e trabalho interessante sem ser enfadonho, repetitivo ou até rigído em horário mas, não sei porquê, não me sinto satisfeita.

Seis meses depois, se calhar é ainda efeito do vinho do jantar e da vodka e do licor de wisky da noite e da minha falta de resistência ao álcool, ou da falta de horas de sono, mas sinto pena. Maldito sentimentalismo português ( e escocês!)!
Foram seis meses muito especiais! Acho que foram os seis meses em que mais aprendi na vida.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Momentos Douro


Nem devia falar nisto. Não era para aqui chamado. Mas, nestes dias, e de uma forma mais ou menos natural fui, agradavelmente ( e sem resistência), envolvida em algumas coisas. Uma delas esta.

Quem voa a bordo dos aviões da TAP e quem visita as nossas salas de cinema verá uma filmezinho simpático e muito bem feito. E é bom ver que, apesar de tudo, há coisas a serem feitas com sentido, neste país.

Só muito indirectamente o assunto me diz respeito. Bom... tiremos o "muito". Mas, realmente, rendi-me; gostei muito.
É envolvente, é bonito, é verdadeiro e tem um produto genuíno por detrás.
Portanto, vejam quando puderem, e comportem-se de acordo com esses Momentos Douro.

Entretanto também fiquei a saber que, caso o pior pesadelo - literalmente - de uma pessoa que me é muito próxima, se venha a realizar e eu me perca no Porto, existe um óptimo sítio para pedir esmola, que é a Igreja dos Congregados. Mas isso são outras estórias.

domingo, 20 de novembro de 2005

Intervalo no intervalo

Alguém me empresta um guia, bem escrito, sobre o comportamento dos homens?!
Ah... e, já agora, uma bússola para decisões, que é coisa que não existe, mas devia existir!!!

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Wine break

Por causa do vinho vou estar um bocadinho ausente. Já estou. Desde ontem.

Não é que tenha bebido muito e que precise de uns dias para me recompor. Até bebo pouco; provo mais do que bebo. Mas são apresentações, colóquios, visitas, lançamentos... Será assim até quinta-feira.

Estou ocupada e envolvida - algumas destas coisas, deixadas à minha responsabilidade, dão-me umas rotações a mais. Vistas as coisas ando ocupada, envolvida, empenhada e acelerada.

Está assim explicada a ausência!
Pena... por acaso até podia escrever imensas coisas. Tinha muita vontade... mas não tenho mesmo tempo!
Até breve!

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Homenagem ao meu telemóvel

O meu telemóvel, coitado, tem sido um companheiro inestimável. Mas, mais do que isso, admiro-lhe a resistência que tem demonstrado às más condições de vida a que o sujeito.

Aguenta areia - deitada por cima dele ou atirado contra ela - aguenta ser manipulado com as mãos molhadas de água salgada, Sol, umas gotas de chuva, uma noite esquecido à beira da piscina, ser barrado de Nivea pelo Tiaguinho, ser lambido pela minha égua, que me sente em cima dele de vez em quando, as quedas normais e frequentes, servir de brinquedo aos gatos e... até ser atirado com toda a força contra o vidro da frente da carrinha - o vidro também se revelou muito bom! - e sofrer o mesmo da janela do meu quarto - valeram-lhe as florzinhas do jardim!

Coitado! Acho que está na hora de ser substituído por um com mais funções (mesmo sabendo que nunca vou consegui depois tirar partido delas!). Mas reconheço que me tem servido muito bem!

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Alívio

Alívio, foi passar ontem , já de noite, pela clínica para dar um beijinho de fugida ao meu avô, e vê-lo bem e a sorrir para mim.

Alívio por, apesar de ter tido a sensatez de não me afastar muito da área na altura em que lhe foi marcada uma operação, não ter tido tempo para estar com ele na véspera ou até de lhe falar mais do que dois minutos por telemóvel, em cima da hora, para lhe mandar um beijinho- ou por ter falta de coragem para enfrentar questões relacionadas com doenças e intervenções, que me fazem acordar para a condição de mortais das pessoas de quem gosto - mas ter a certeza que tudo correu bem, que ele está satisfeito, que daqui a poucos dias é o mesmo.

Alívio, é ter cumprido aquilo que era mesmo obrigatório fazer hoje - que dia! E não ter que falar com mais ninguém sobre trabalho, até amanhã (espero eu!!!).
É chegar ao fim do dia e ansiar pela noite. Por si mesma - não se ponham a imaginar coisas !
E de tão cansada, conseguir não estar a pensar em todas as coisas que estão escritas na minha agenda para esta semana que se me afigura longa.

Alívio é... sentir que tenho o direito de não pensar em mais nada hoje. Tomar um banho, comer o jantarinho que está preparado para mim e deixar-me ficar quietinha, que é disso que preciso, de um bocadinho de sossego e de sentir que, apesar dos últimos dias, tudo está no mesmo lugar, que o mundo gira à mesma velocidade, no mesmo sentido. É que, de vez em quando, quando acontecem muitas coisas à minha volta, sinto-me sair de orbita, involuntáriamente, e faz-me falta voltar.
Alívio, mesmo, é ver o Sol a pôr-se!

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Post fútil

Sim, fútil! Perfeitamente fútil!
O máximo que é possível ser! E também disparatado! Que, às vezes, é bom não levar as coisas a sério e rir um bocadinho!

Chego tarde, como sempre - é necessário aproveitar a dada flexibilidade - e reparo em cinco Meganes, cinzentos, alinhados no estacionamento. Iguaizinhos; a única diferença está no último algarismo da matrícula, que é, ainda assim, sequêncial.

Subo curiosa e pergunto o que era aquilo. Respondem que eram para cinco engenheiros que vinham trabalhar. Dou-me por satisfeita.

Mais tarde vi os tais engenheiros sairem da sala de reuniões.
Pois... - aqui vem a parte fútil! - meninas! Ah pois, que este post é só para meninas!
Os engenheirinhos são tão giros! Os cinco! E até são simpáticos!

Bom... não é que esteja interessada, mas lá que é agradável à vista, é!
É verdade que há alguma agitação nos elementos femininos que se riem muito mais e andam de um lado para o outro, e algum mau humor em alguns dos elementos masculinos já instalados, mas isso não tem importância nenhuma.

A A., principal responsável pelo recrutamento, disse quando viemos trabalhar que a escolha era feita a dedo. Não imagino qual foi o critério de que se serviu desta vez, mas não dúvido de que foram escolhidos a dedo!

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Natal

Não, não sou daquelas pessoas que decoram a casa para o Natal com muita antecedência. Na verdade, sou mais o contrário.

Só gosto de ver motivos natalícios quando o frio se instala. Para mim tem de haver uma sequência. Gosto de aproveitar o Outono. Gosto dos fins de tarde com luz dourada, gosto do mar com um azul mais forte, das folhas amarelas caídas no chão, das romãs, das castanhas, dos primeiros dias de lareira acesa; das roupas mais quentes, dos casacos, até de começar a usar cachecóis e de sentir o ar frio na cara.

Não tenho pressa em fazer apagar o Outono, em saltar do Verão para o Natal. Mas agora, levada pelo frio ou pela pressão das lojas, começo a ceder. Começo a olhar com agrado para as decorações de Natal que nos saltam à vista em tantas lojas.
Cedi, e comprei um pinheiro artíficial. Achei-o bonito, e achei que também não me agradava ter em casa um árvore morta. Mais nenhum pinheiro será cortado para ir para a minha casa.

Cheguei a casa e arrastei a caixa para o sotão.
É bonito, mas vai ficar à espera. Vai esperar pela data certa. Manda a tradição que, cá em casa, se prepare a decoração de Natal no dia 1 de Dezembro ou no dia 8. E assim será.

Nessa altura o pinheiro descerá e será montado. Juntamente com os enfeites normais terá os laços de tartan para termos a Escócia presente.
E o presépio, que passou por várias gerações, será, como sempre, o de Barcelos.
Acho que é isso que mais gosto no Natal, por detrás de todas as luzes e todos os enfeites, está lá tudo: a origem, o essêncial, o sinal de quem somos e de onde viemos: os laços da Escócia e o presépio de Barcelos. E é isso que está sempre presente, estando onde estiver, que me molda e que me ajuda, quando me sinto sem referências.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Domingo # 3






Domingo: ... em imagens! Dá menos trabalho.

Segunda: Sair de manhã rumo ao Sul; quando era suposto estar a Norte. E sentir... não sei o quê, com isso. Não saber se queria ir, ou ficar, ou ir. Mas ir! Depressa, como sempre.
Os portáteis, os papéis, os quatro do costume ( e uma prancha de surf à vista do Sr. Presidente!), o Sol, o dia claro, o frio, as estufas, os gráficos, os números, a reunião e, o inevitável mar. A noite com direito a lareira, pela primeira vez no ano.

Terça: O acordar tardio, o pequeno-almoço preguiçoso mas nostálgico, a viagem de regresso. Pisar a Vasco da Gama, ver Lisboa, achá-la linda, como sempre, mas não ter vontade de lá chegar. Fazer o relatório a quatro mãos. Lembrarem-me que no fim do mês acaba este trabalho; que eu vou continuar mais algum tempo, mas que a maioria não vai; e que as coisas vão ser diferentes. Sentir saudades antecipadas. O dia cinzento, a chuvinha, a vontade que chegue a noite depressa e de acender a lareira, desta vez, em casa.

sábado, 5 de novembro de 2005

Defesas



O tipo tem alguma capacidade para subverter a realidade. Está a jogar com o efeito espelho. Diz-me que sou como ele para me desviar a atenção. Isto agrada-me, apesar de me assustar um bocadinho.

- Está enganada. Já vi que gosta de fazer juízos precipitados, esse é o primeiro passo para errar. Pelo contrário, sou um solitário. Considero que a amizade é um bem demasiado precioso para se dar a qualquer pessoa. Não falo da minha vida com pessoas a não ser que elas mereçam a minha total confiança. A confiança é como a intimidade, demora anos a cimentar e a fortalecer e pode cair por terra com uma única indiscrisção. Já o mesmo não deve acontecer consigo. Deve ser do género de ter muitos amigos, ser muito popular. Vê-se logo que gosta de seduzir, conquistar, usar e depois, quando está farta, desembainha a espada e corta a cabeça a um pobre mortal sem dó nem piedade.

Fico calada, sem saber o que responder. Se eu lhe dou troco, estou a dar-lhe crédito e a admitir que tem razão. Mas o pior é que ele tem mesmo. Cortei a cabeça ao Tiago numa conversa de cinco minutos e agora só me quero ver livre dele. Um dia destes farto-me de ter um caso com o Luís e corto-lhe a cabeça com a mesma facilidade. Já fiz isto demasiadas vezes a demasiados homens na minha vida. É evidente que está a fazer bluff, mas como todos os grandes jogadores, ele sabe que o bluff é uma táctica falível mas indispensável em qualquer jogo. E desta vez acertou.

- E você, nunca cortou a cabeça a ninguém?

- Não. Só quando pressinto que vão tentar cortar a minha. Nessa altura antecipo-me. Mas é um reflexo normal, não acha?

- E já lhe cortaram a cabeça?

- Claro que sim. Aprendi à minha custa. Doeu um bocado, mas desenvolvi algum poder de antecipação.

- Para quê?

- Para cortar a do adversário. (*)


Ando a ler o que me atiram para a frente.
Este livro... não seria minha companhia por minha escolha.
É daqueles em que tentamos, a todo o custo, não encontrar afinidades com as personagens. Antes o contrário, procuro demarcar-me.

Não tenho nada a ver com a protagonista! Nada! Seja no que fôr!
A única semelhança é que a faculdade onde ela teria estudado, é a minha.

Mas uma coisa é certa, e deixou-me a pensar: eu corto cabeças.
Cortei ao V. porque não gostava dele; tinha de ser.
Mas cortei mais. Por outros motivos. Porque na eminência de um desfecho preferi antecipar-me e ser eu a cortar a cabeça. Dói menos!

Num outro caso, não cortei sózinha. Nesse caso conseguimos cortar os dois, ao mesmo tempo. Acho até, que cortámos a cabeça a nós próprios, em simultâneo. Aqueles anos de cumplicidades deram os seus frutos; tinha de ser em simultâneo!

E não consigo deixar de ter isto presente. O medo de sofrer leva-me sempre, a dar um passo à frente, a desembainhar a espada e, num golpe rápido e seco, de olhos fechados, cortar uma cabeça. E a ficar a chorar depois. Porque se sofre, na mesma! Mas eu quero acreditar que dói menos assim! Preciso de acreditar!

Se tenho a certeza, que é isso que me espera, que a minha cabeça vai ser cortada, então, sustenho a respiração e antecipo-me!


(*) Margarida Rebelo Pinto, Não há coincidência, Lisboa, 2000, pp. 54-55


quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Uma questão de confiança

Cerca de 80% das vezes que ouço tocar o telemóvel de uma amiga recente, é o namorado dela. Com uma questão rápida e simples: Onde é que estás?

Uma sms pareceu esgotar-lhe a paciência. O texto dizia: Não consigo confiar numa mulher de quem não sei de metade dos sítios onde vai nem com metade das pessoas com que está.

Sei bem que ele não tem a mínima razão para inseguranças, e também sei que ele sabe muitíssimo de cada passo da vida dela.
Sabe o segundo em que vai trabalhar, o segundo em que sai, o segundo em que entra em casa... Ela informa-o de tudo. São telefonemas e telefonemas diários, apenas com informações destas.

Custou-me vê-la assim. Cansada, já sem saber o que fazer mais.
Bem sei que é verdade que este trabalho nos obriga a sair muito, que falamos com muita gente, que muitos de nós o começámos um bocadinho descrentes e que agora gostamos muito do que fazemos, que esta manhã saí a pensar que ia para Alcobaça e que, afinal, fui para o Bombarral, que foi levantada a possibilidade de ser necessário ir a Silves, que almocei num sítio inesperado e que à tarde estava, afinal, ainda noutro local diferente. E é verdade que eu gosto disso e que ela também. Mas ele não tem qualquer razão para inseguranças.

Disse-lhe que se ele soubesse tudo, mas mesmo tudo o que ela faz, também não confiava nela. Sabia o que fazia, mas não confiava.
Confiar não é saber tudo o que a outra pessoa faz. É precisamente o contrário. É não saber, não fazer a mínima ideia e, mesmo assim, acreditar que não estará a fazer nada que nos atinja.

Confiar, é não saber, mas acreditar no outro; assim como gostar não é compreender.
Durante muito tempo também eu não reparei nestas nuances. Também eu procurei controlar e analisar ao milímetro as pessoas de quem gostava mais.

Hoje não o faço. Mas é um hoje muito recente. Muito recente mesmo. Na verdade, só hoje percebi a alteração e até acho que consigo datá-la. Mas ainda bem que aconteceu! Porque sou eu quem mais ganha com isso!