quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Generation Gap

Ontem, a seguir a um jantar tardio telefona-me uma menina, sobrinha de uns amigos. Conheço-a desde pequena, mas esqueço-me da idade dela. Achamos sempre que as crianças serão sempre crianças.
Só que crescem. E não só crescem, como nos surpreendem. De repente têm mundos próprios, vontades próprias, certezas próprias... e faz-me muita confusão. Sim, faz-me! Era capaz de jurar que na idade deles era - e eramos todos - bem mais bem comportadinha, bem mais respeitadora dos mais velhos, bem mais muitas coisas e bem menos, mas muito menos, espevitada, ou, leia-se, desembarassada! Em suma, eles, os miúdos de agora, parecem-me bem mais precoses e a diferença entre eles e nós parece-me, estúpidamente, maior do que a diferença entre nós e - até ! - os nossos pais.


M: Sim?!

C: Olá! Estás boa? Sou eu, a C., sobrinha da I.

(...)

C: Pois era isso; é que gostava de experimentar a saltar obstáculos e como sei que a tua égua é boa nisso lembrei-me de te pedir.

M: Sim, mas (lembrei-me, da última vez que a tinha visto a cavalo, e de como me pareceu pouco segura. Demasiado solta em cima da sela. Saltitava demais, especialmente a trote, para ter segurança num salto) ... olha que é perigoso. Ela é uma animal "difícil" e, além disso, é preciso ter muita segurança a cavalo.

C: Sim, eu sei! Não tenho medo!

M: ( Cá está a maldita impetuosidade dos miúdos!) Pois C., mas olha uma coisa: é mesmo preciso ter muita segurança. É preciso que tu e o cavalo formem, de facto, um conjunto, que se harmonizem nos movimentos, que tu e ele sejam o provolongamento dos movimentos do outro. Tens que aprender a absorver os movimentos do cavalo, e não a contrariá-los, senão saltas em cima da sela. Tens que manter o contacto das tuas pernas à volta dele, e tens que absorver o movimento dele com as ancas. Tens que facilitar, tens que te deixar levar pelo movimento e depois manter a zona dos rins flexível e absorver o movimento com as ancas. É a única maneira de te manteres segura na sela. Os dois têm de ser um.

C: ... (depois de um silêncio prolongado) humm... estou a ver! Isso deve ser fantástico na cama!

M:Como?!?!?!

C: Isso deve ser fantástico na cama!

M: ... (desta vez o silêncio prolongado foi meu!)... Olha, C, nunca tinha pensado nisso! Eu estava a falar de equitação!

C: Eu sei, mas aplicado a outras coisas...

M: Ó C, que idade tens?

C: 12! Faço 13 em 2_ de Novembro.

M: Ah... Só por curiosidade!

(...)


Juro, que não estava preparada para isto!
Não; nós, não eramos assim! Se calhar, nem somos mesmo!
E não foi há assim tanto tempo...!

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

Gosto...



Gosto da forma das nuvens no céu, da brisa fresca e do vento que nos arrefece a cara e as mãos.

Gosto dos dias frescos, da húmidade no ar e do barulho da chuva no telhado.

Gosto de chá quente e de voltar a apreciar a cozinha. Gosto de cozinhar em dias assim.

Gosto mais dos livros. Gosto de mantas e de almofadas. Gosto de me aninhar e gosto mais de filmes nesta altura.

Gosto do mar cinzento, e do areal vazio.

Gosto do cheiro da terra molhada e do silêncio do campo. Gosto das folhas douradas caidas pelo chão.

Gosto de espalhar feno pelo estabulo da minha égua e de me deixar ficar por lá a escovar-lhe as crinas com uma calma que só sinto nesta época.

Gosto das castanhas e dos seus vendedores. Gosto das amêndoas.

Gosto de camisolas de lã e de meias.

Gosto mais de mim nesta altura e gosto, ainda mais, das pessoas de quem gosto.

terça-feira, 19 de setembro de 2006

Manual de instruções

Quando me recosto numa cadeira é porque me sinto confortável.

Quando me sento na beira de uma cadeira é porque me sinto desconfortável, não com a dita, mas com o assunto em presença. Quer tenha noção disso, quer não.

A ter em conta!

sábado, 9 de setembro de 2006

Enquanto tento concentrar-me nos papéis que tenho à frente mas o que vejo, se fecho os olhos ou se os abro, é a imagem do barco das Berlengas, toca o telemóvel e ainda tenho a tentação de não atender, tamanho é o atraso no trabalho aliado à falta de concentração.
Penso, mas atendo. Afinal, não gostaria que me fizessem o mesmo. Penso, também em dizer-lhe que estou afogada em trabalho - alguns com prazos oficiais - e que lhe ligo para falarmos melhor quando conseguir um bocadinho de tempo. Penso... mas mal consigo abrir a boca tal é a agitação dela.

Faz a queixa geral, de que não telefono, nem escrevo, nem tenho tempo para um almoço, ou um café. Tem razão!
Fá-lo num chilreado de passarinho na Primavera.
Já lhe conheço este estado. Já me deparei com ele muitas vezes. Também sei que desaparece como aparece. Repentino! Não sei se é bom ou mau...
Ainda pensei tentar atropelar-lhe o discurso quase cantado, para fazer um atalho até onde sabia que a conversa ia levar-nos. Pensei perguntar-lhe como é que ele se chamava [desta vez], mas ela estava tão entusiasmada que fui deixando que falasse e esgotasse a energia, enquanto ia arrumando as declarações de colheita que tinha à frente.

Falou, falou muito! Uma conversa onde as palavras eram proferidas muito depressa e entrecortadas por risinhos.
Falou do carro fabuloso que tem, de como é rápido, bonito, do balurdio que custa...
Falou do apartamento espaçoso, divinamente mobililado, na cama enorme, na varanda magnifica com uma vista linda para o Tejo, num sítio excelente.
Falou no trabalho ou, melhor dizendo, no emprego interessante que tem e na carreira promissora. Também percebi que o emprego é interessante porque o vencimento é muito interessante.
Falou nas noites deslumbrantes que têm passado. E, por fim, também falou nele, sim. Disse: E é giro! Tem uns olhos giros...!

Respirei fundo. Dizer-lhe o quê?!
Ainda lhe disse para me falar dele. Estava a referir-me a ele, ao que é, e não ao que faz ou ao que tem.
Queria que ela entendesse, por ela, que o que importa não está à vista, nem se mede, nem se pesa. Não está mesmo!
Que o que ela está é deslumbrada, como, aliás, já esteve outras vezes.
Depois o entusiasmo passa, e o essêncial não está lá.
Ainda tentei fazê-la perceber que...

Desisti depressa. Percebi que não valia a pena. Que ela ia viver, intensamente, mais esta estória até que ela se esgote. E desejei-lhe, em silêncio, que fosse muito feliz enquanto durasse.
Depois, sei que se vai sentir vazia, como das outras vezes. E fiquei a desejar que um dia ela perceba o que lhe faz falta, o que a completa, o que é, de facto, importante. Enfim... fiquei a desejar que um dia se encontre, porque, no fundo, no fundo, é disso que acaba por se tratar.
Desisti porque, na verdade, sei que cada pessoa tem o seu percurso e o seu tempo próprio.