sábado, 9 de setembro de 2006

Enquanto tento concentrar-me nos papéis que tenho à frente mas o que vejo, se fecho os olhos ou se os abro, é a imagem do barco das Berlengas, toca o telemóvel e ainda tenho a tentação de não atender, tamanho é o atraso no trabalho aliado à falta de concentração.
Penso, mas atendo. Afinal, não gostaria que me fizessem o mesmo. Penso, também em dizer-lhe que estou afogada em trabalho - alguns com prazos oficiais - e que lhe ligo para falarmos melhor quando conseguir um bocadinho de tempo. Penso... mas mal consigo abrir a boca tal é a agitação dela.

Faz a queixa geral, de que não telefono, nem escrevo, nem tenho tempo para um almoço, ou um café. Tem razão!
Fá-lo num chilreado de passarinho na Primavera.
Já lhe conheço este estado. Já me deparei com ele muitas vezes. Também sei que desaparece como aparece. Repentino! Não sei se é bom ou mau...
Ainda pensei tentar atropelar-lhe o discurso quase cantado, para fazer um atalho até onde sabia que a conversa ia levar-nos. Pensei perguntar-lhe como é que ele se chamava [desta vez], mas ela estava tão entusiasmada que fui deixando que falasse e esgotasse a energia, enquanto ia arrumando as declarações de colheita que tinha à frente.

Falou, falou muito! Uma conversa onde as palavras eram proferidas muito depressa e entrecortadas por risinhos.
Falou do carro fabuloso que tem, de como é rápido, bonito, do balurdio que custa...
Falou do apartamento espaçoso, divinamente mobililado, na cama enorme, na varanda magnifica com uma vista linda para o Tejo, num sítio excelente.
Falou no trabalho ou, melhor dizendo, no emprego interessante que tem e na carreira promissora. Também percebi que o emprego é interessante porque o vencimento é muito interessante.
Falou nas noites deslumbrantes que têm passado. E, por fim, também falou nele, sim. Disse: E é giro! Tem uns olhos giros...!

Respirei fundo. Dizer-lhe o quê?!
Ainda lhe disse para me falar dele. Estava a referir-me a ele, ao que é, e não ao que faz ou ao que tem.
Queria que ela entendesse, por ela, que o que importa não está à vista, nem se mede, nem se pesa. Não está mesmo!
Que o que ela está é deslumbrada, como, aliás, já esteve outras vezes.
Depois o entusiasmo passa, e o essêncial não está lá.
Ainda tentei fazê-la perceber que...

Desisti depressa. Percebi que não valia a pena. Que ela ia viver, intensamente, mais esta estória até que ela se esgote. E desejei-lhe, em silêncio, que fosse muito feliz enquanto durasse.
Depois, sei que se vai sentir vazia, como das outras vezes. E fiquei a desejar que um dia ela perceba o que lhe faz falta, o que a completa, o que é, de facto, importante. Enfim... fiquei a desejar que um dia se encontre, porque, no fundo, no fundo, é disso que acaba por se tratar.
Desisti porque, na verdade, sei que cada pessoa tem o seu percurso e o seu tempo próprio.

11 comentários:

Smas disse...

Minha querida, tenho tantas saudades de te ler!
Tens razão, já cresceste, já aprendeste que o que realmente interessa não está à vista...
Bjs

Clara disse...

"Deslumbrada" é mesmo o nome para pessoas assim.
Bjs meus

Piquinota disse...

Elas já disseram tudo...não aprendeu a distinguir o que é relamente importante na vida!!

Um dia... quem sabe...


Jinhos nipónicos

Dulce disse...

Nada tenho para dizer que tu não tenhas já dito. Excepto que gosto muitos destes teus textos.
Beijo.

gralha disse...

Acho que toda a gente tem amigas assim... O engraçado é a necessidade que têm de partilhar cada novo episódio como se não estivessemos já a imaginar o desfecho da série.
Ainda bem que estás de volta a estas lides :)
Beijinhos

reborn disse...

Pode ser que ela um dia compreenda...
Beijinhos fofos ************

Tia Moky disse...

Nem que ficasses azul de tanto lhe gritar conseguias fazer-lhe ver o outro lado!
Cada um vive a vida que quer...ou será a que nos está destinada!? Não sei, mas sei que podemos escolher! E o bom disso, é sermos nós a escolher!!! Infelizmente, há pessoas que nem com os próprios erros aprendem...quanto mais com os dos outros...

Tinha saudades tuas e das tuas palavras!
Não fiques tanto tempo longe de nós!

Beijos

Moky

Xuinha Foguetão disse...

E tem de ser ela a caminhar esse percurso.

Talvez um dia ela perceba o que realmente é mais importante!

Beijocas grandes

Ana P. disse...

Estive ausente, fugi para terras francesas, mas estou de regresso...

Beijinhos

Jolie disse...

:)

Às vezes dói abrir os olhos.

Beijos e volta a este cantinho mais vezes!

Ana disse...

Confesso que nao sou das mais romanticas, mas gosto de filmes de amor, desde que nao sejam muito "agua com acucar".
Estou-me a lembrar de dois filmes que nao me canso de ver.
The English Patient, lindo...um amor para alem da morte.
Unfaithful, como a paixao e o amor podem ser tao distintos.