O facto de aparentar uma serenidade que não tinha há muito tempo e o de ter deixado de me queixar do que quer que fosse e de levantar o tom de voz, causou alguma estranheza na maioria das pessoas que me são próximas.
A mim, nem por isso. Aconteceu.
Acho que aconteceu no momento em que percebi que a culpa do rumo da minha vida era só minha. E foi mesmo assim, de um momento para o outro, sem explicação.
Percebi que tudo o que existia era resultado das minhas decisões. Até quando decidia, simplesmente, não decidir nada.
Em tudo, a toda a hora, temos que decidir: levantarmo-nos cedo ou deixarmo-nos dormir, vestir casaco ou não, ir depressa ou devagar, por este ou por aquele caminho, arriscar ou não fazer nada, dar rédea solta aos sentimentos ou ser racional, comprar ou vender, assinar ou não, fazer ou mandar fazer...
Sempre, a toda a hora! E a consequência de uma decisão leva-nos a outra, e a outra, e a outra...
A verdade é que, muitas vezes, não decidimos em função do que gostávamos ou do que queriamos, e sujeitamos a nossa decisão à prudência, ao bom senso, à opinião de terceiros... Mas, o facto é que somos sempre nós a decidir.
Percebi isso e, nesse momento preciso, deixou de fazer sentido lamentar-me.
As coisas não estão bem? Não tenho o que quero? Não fiz aquilo que tive vontade? Pois, pode ser verdade, mas fui eu que decidi nesse sentido; fui eu que não arrisquei, fui eu que tomei a opinião de outras pessoas em conta e a coloquei à frente da minha vontade, fui eu que tive medo... fui eu!
E, se fui eu, vou queixar-me de quem ou do quê?!
A verdade é, muitas, muitas vezes, não decidimos como gostávamos mas sim como achamos que deviamos. E também é verdade que temos que decidir entre duas, ou mais, coisas possíveis e que, muitas vezes a nossa alma pede-nos insistentemente o impossível, o que não depende mesmo de nós.
É por isso que nos entristecemos, que baixamos os braços, que nos resignamos.
Numa discussão, noite dentro, com o meu pai - discussão no sentido em que era uma troca de opiniões, por sinal, não coincidentes, mas absolutamente amistosa - , a determinada altura, e tendo ele tomado consciência dessa diferença e do facto de eu ter deixado de ser a menina refilona, que levantava a voz e batia o pé, mesmo que depois acabasse por ceder; disse-me para não tomar em conta a opinião de ninguém, nem mesmo a dele; para decidir em função da minha vontade, para ponderar bem, mas para decidir só em função do que realmente quero ou sinto, mesmo indo contra a opinião dos outros ou a dele.
Uma grande lição! Não tinha, eu própria tido a coragem, de encarar isso de frente. Estava, de facto, a decidir algumas vezes, em função de outras vontades. Depois assumia as consequências, sabia que tinha de viver em função dessas opções, que tinham sido tomadas de uma forma consciente mas resignada.
Não vai ser mais assim.
Vou correr mais riscos? Vou estar menos protegida e resguardada? Posso até sofrer mais?
Pode ser tudo isso, mas serão as minhas decisões, os meus riscos. Se correr mal, correu; se cair levanto-me! Mas decidirei por mim e as minhas decisões, as sérias, as que mexem com a vida, com o que vai cá dentro, vão deixar de ser concessões! Não basta ter consciência, é preciso também ter coragem!