Durante todo o dia de hoje saltitei entre o escritório e o morangal, entre o escritório e a vinha velha, entre o escritório e as terras que estão a ser preparadas para as vinhas novas e entre o escritório e a adega.
No escritório falei, pessoalmente ou pelo telefone, com várias pessoas. No campo e na adega falei com outras, de outro tipo.
Chegaram de manhã, começaram a trabalhar ainda as gotas de orvalho pigavam das árvores neste dia que amanheceu húmido.
Vinham, como todos os dias, apressados e bem dispostos. Cada um deles seguio para as suas tarefas.
Durante o dia, por isto ou por aquilo, acabei por ter que passar pelos vários locais onde estavam a trabalhar, apressados, conscientes da responsabilidade de cumprir prazos, mas despreocupados, conversas inocentes, riso fácil e franco, gratos por um bocadinho de atenção.
Têm as mãos marcadas pelo trabalho e o rosto pelo Sol e o frio, alguns deles não sabem ler.
Têm vidas pequeninas e simples, limpas como as casas onde habitam.
Têm a paz que a maior parte das pessoas que se atropelam por aí não tem.
Têm uma enorme e contagiante alegria de quem tem tudo o que espera da vida porque não tem ambição, nem vaidade.
A M. deu-me um pão que foi feito por ela para o meu almoço, a B. uma sardinheira num vaso, o J. um queijinho feito com o leite das suas ovelhas. E eu agradeci reconhecida porque sei a importância destes presentes simples.
Já se foram embora para as suas casas, cansados, com a sensação do dever cumprido, sem inquietações. Vão dormir cedo.
Eu hoje ainda tenho um jantar num bom restaurante, tenho pilhas de coisas para fazer antes, tenho que ir a sítios onde tenho que fazer conversa de circunstância, tenho que sorrir polidamente quando nem sempre me apetece.
Deito-me tarde, tenho preocupações académicas, gostos que me levam a gastar tempo e dinheiro em livros, viagens, bilhetes para espectáculos, dúvidas existênciais, falta de tempo...
Às vezes olho para eles e invejo as vidas simples que têm; o tempo, a calma, a transparência, enfim, numa palavra: a simplicidade! E mesmo não me considerando infeliz, nem tendo sequer vontade de trocar de vida, porque a minha vida resulta do que eu sou, às vezes interrogo-me se a felicidade não está mesmo nestas vidas simples.