sábado, 5 de maio de 2007

Me

Uma das coisas que repito à exaustão é que eu não sei gostar. Porque não sei. É um facto.
Não estou a dizer que não sou capaz de gostar. Não é nada disso. Não gosto de tudo e de todos (ainda que também não queria mal a ninguém), mas quando gosto, gosto muito. Gosto mesmo. Gosto a valer. Para o bem e para o mal.
E quando gosto mesmo muito, é aqui que a coisa se complica. Quando gosto mesmo, mesmo muito, despejo-me de mim, o coração é todinho necessário para esse gostar, em que tudo continua a ser pouco, e portanto, nessa necessidade de todo o espaço e mais algum, sou eu que me despejo a mim mesma.

E depois fico assim, nem sei bem como explicar... desalojada de mim mesma, sem guarida, uma alma sem-abrigo. Quando o objecto desse meu gostar muito, muito, repara e acolhe essa parte de mim que ficou deslojada por esse gostar, claro que continuo a viver, porque me recolho e lá me acomodo num cantinho disponibilizado num coração alheio. Mas eu fico longe de mim, e isso não é bom.

Eu, preciso de mim. E não é narcisismo, ou egocêntrismo, ou outro ismo qualquer relacionado. Não é.
É de mim que preciso, que preciso de ter à mão nos momentos bons e maus, no meio dos montes de trabalho, no metro, nos lanches com as amigas, nas compras, num passeio à beira mar ou quando vejo os primeiros pirilampos nas noites escuras do campo. Eu, preciso de me ouvir a mim, de ver a luz e as árvores, de ler os jornais com os meus olhos. Eu preciso de mim, de me ter inteira, e não de me ter aos bocadinhos, os meus bocadinhos que apanho reflectidos emanados de quem eu gosto.

Gostar de outra pessoa é bom, sim. É divino, mesmo. Mas não posso, com isso, despojar-me de mim.

Ontem à tarde, comecei a sentir alguma coisa de boa e estranha. Logo ontem, que me sentia tão triste. Senti uma serenidade inesperada ao descer a João XXI, gostei de ficar parada nos semáforos do Campo Pequeno, não resisti a passar nos jardins da Gulbenkien e acho que encontrei por lá, sorridente, a Margarida recém-entrada naquela faculdade ali ao pé, já lá vão uns bons aninhos. Senti um prazer infantil em fazer as compras no El Corte Inglés, com a Catarina, como se fosse uma novidade. Eu... que não tenho paciência para compras e, muito menos para deambular pelo El Corte Inglés. Até aos produtos do super-mercado achava graça.
Achei um mimo a segurança com que ela se prontificou para preparar um jantar de sushi: Então é fácil vez? Levamos disto e diz aqui... é abrir a embalagem, esperar 20 minutos e comer! E já está!
Senti vontade de rir destas coisas. (Não, aquilo não foi uma boa ideia!)
Senti-me bem ontem; inteira, completa. Eu acho que na tarde de ontem, por um mistério qualquer que me escapa, eu voltei para mim. E as saudades que eu tinha de mim...
Não expulsei ninguém cá de dentro, apenas arranjei um bocadinho de espaço para mim mesma, e não me quero deixar mais ir embora.

12 comentários:

CGM disse...

Escreves tão bem, Margarida!

Não, não te deixes ir embora, se ficas mais feliz assim. E o amor desdobra-nos, não nos divide, dai não me rever na tua crónica (post), porque a paixão me faz mais eufórica, faz-me achar graça a patetices, mas também fico mais sensivel. Prefiro o amor, eu em mim mesma, pés na terra, mas imensamente feliz e orgulhosa dessa conquista.

Bom fim de semana.

Au revoir ;)

Carla

Clara disse...

eu cá sou ao contrário, pois claro. Completamente incapaz de me despejar seja de que parte for. E, sendo completa por mim própria, aos olhos dos outros, sou sempre incompleta. Ou incapaz ou lá o que é.

Dulce disse...

Entendo-te muito bem...

E o Sushi, que tal? (É comida que não me inspira nenhuma simpatia... mas nunca provei)

Anónimo disse...

Olha lá menina, o que é que tem o sushi, hum!?!?! ;-)
Não te despejes de ti nunca e mantem-te assim completa e auto-suficiente como ontem. Radiosa, Gui! Mas continua a gostar com esse teu coração de ouro como só tu sabes gostar, porque tu consegues as duas coisas.

Beijos

Catarina

mixtu disse...

non vás...

abrazo monarquico

_+*Ælitis*+_ disse...

Entendo-te bem! eu tb gosto sempre intensamente e as vezes até doi quando se torna incontrolavel. Mas é assim que vivemos e aprendemos, sem duvida alguma!
Beijos!

Jessica

Margarida Atheling disse...

Cgm: ai, obrigada! :)
eu sei. mas eu disse que não sabia gostar.
preferes muito bem! :)

Clara: eu sabia! :)
mas que importam os olhos dos outros?! preferias parecer completa aos olhos dos outros, mas sentires exactamente o contrário?!

Dulce: pois se tivesses experimentado aquele, passarias a ter a maior das antipatias! ;)

Catarina: ainda perguntas?!?! não fosse uma solução de emergência e ninguém jantaria nada! e ainda perguntas... :D
não, não me despejo. pelo menos vou tentar.

Mixtu: non!
abrazo monarquico! seguro! ;)

Elite: é, é assim, Jessica! :)

Miguel disse...

Acho que gostar assim "muito, muito", deve ser sempre algo que ganhamos e nada que perdemos. Soma, não subtrai.
Claro que existem cedências, que nos esquecemos de nós aqui e ali. Mas se as cedências custam muito, então... alarme: Elas não devem ser assim sentidas...

Sara MM disse...

uahu!!!

já disse e repito... escreves tão bem, coisas tão lindas, que até me esqueço de que não estou a ler um Romance, mas sim coisas TUAS!

mas sim, sentires-te TU, e só TU, é preciso! é bom!
... e não tira o resto. Não tira ninguém... antes pelo contra´rio!!


Bjss para TI :o)

Margarida Atheling disse...

Miguel: eu disse que não sabia gostar.
tens razão, mas não fiz cedências. quer dizer... fazemos sempre, quando gostamos, não é? mas não é por isso que me despejo de mim.
seja como fôr, eu cá continuo comigo! :)

Sara: tu és uma querida! :))
quanto ao resto tens toda a razão. toda, toda! :)

Jolie disse...

não nos podemos despir de nós por completo... se não, deixamos de ser aquele por quem o outro também se apaixonou. E ninguém fica a ganhar com isso...

Acho eu de que... mas tu serias capaz de o escrever muito melhor que eu!

beijos

Margarida Atheling disse...

Sandra, até por isso... :)

Olha lá, tu não sabes que escreves bem, menina?! :)

Bjs