sábado, 2 de julho de 2005

Tempo...

Ontem, de noite, passou-me pela cabeça que devia ter deixado o portão do páteo do escritório aberto. E, consequentemente, fui verificar.
Estava fechado. Tanto melhor!

Quando voltei e ia a entrar em casa, apeteceu-me ficar na rua.
Reparei como andamos sempre a correr, nem sei bem porquê, e como nunca temos tempo para usufruir de nada nesta vida. Um destes dias, dizia-me o meu irmão, que até é pessoa pouco dada a observações deste tipo, que: ... quando eramos miúdos tinhamos que contar o dinheiro da semanada e agora, depois de crescidos, dá no mesmo! Não temos que contar o dinheiro, mas não temos tempo para o gastar!

Por acaso acho que é pior. A mim, a semanada, sempre me chegou! Sempre fui ordenada nos gastos. O que me falta agora é tempo!
De que serve viver num sítio quase idílico se andamos sempre a correr de um lado para o outro?!

Ontem resolvi deixar-me ficar na rua. Fui andando, devagarinho, sem destino estabelido. Às vezes, nem sequer reparava para onde estava a ir. Mas não faz mal. Conheço estes caminhos de olhos fechados.
Deu para dar atenção ao vento fresquinho, ao rumor dos ramos das árvores, ao piar do mocho, que me pareceu muito irritado - talvez eu estivesse a atrapalhar-lhe a caçada!
Deu para ir até ao pomar e comer ameixas enquanto viajava nos meus pensamentos, e seguir para as laranjeiras e comer três laranjas que nunca me pareceram mais doces, e sentar-me nos fenos, encostada à casinha da eira, que foi isso mesmo na origem: uma casa pequenina de paredes largas de pedra que servia para dar apoio a um eira desactivada há décadas. E para ficar ali a imaginar o estado do mar com o vento que estava, e a ver as formas das nuvens que passavam por cima de mim - uma delas era uma rã, tão perfeitinha! - e segui-las com a vista até me parecerem desaparecerem mais à frente, e reparar como os ramos do cedro abanavam, e saltar de pensamento em pensamento e descobrir que a ideia ou a imagem de uma rã ou de um sapo já não tinham importância e que, as coisas afinal não acabam num dia e hora em que dizemos que acabaram, mas que um dia, quando reparamos acabaram mesmo, e ficaram lá, longe, pequeninas e sem importância, numa altura qualquer que nem conseguimos identificar, há uns meses, lá para trás. Tão pequeninas que nem percebemos como foi possível parecerem tão importantes.
E para ouvir os grilos a cantar. E para ver duas estrelas cadentes - no sentido contrário do normal! - e pedir-lhes, instintivamente, um mesmo desejo. E respirar fundo... e em paz!
E ouvir o som, trazido pelo vento, das badaladas do relógio da Torre.
E reparar que era tarde.
É que, às vezes, também precisamos de um bocadinho de tempo para nós!

12 comentários:

Anónimo disse...

Eu concordo contigo... temos mesmo que pensar na regra dos 6 meses: o que é que isto vai representar para mim daqui a 6 meses? "(...) um dia, quando reparamos acabaram mesmo, e ficaram lá, longe, pequeninas e sem importância, numa altura qualquer que nem conseguimos identificar, há uns meses, lá para trás. Tão pequeninas que nem percebemos como foi possível parecerem tão importantes."
Às vezes a melhor maneira de resolvermos um problema é pensar mesmo assim...
Beijocas e bom fim-de-semana!

Margarida Atheling disse...

Mas foi mais do que seis meses.
Acabar - a questão concreta - acabou há ano e meio. Eu considerei emocionalmente acabado há pouco mais de um ano. Declarei que, a partir de determinado dia, já não sentia nada. Mas não é bem assim.
Só percebemos que acabaram mesmo, quando olhamos para trás e reparamos que ficaram mesmo lá atrás, muito atrás, muito pequeninas... Tão pequeninas que até é ridiculo! :)
Nem vale a pena falar destas coisas. Há tantas coisas boas na vida... :)

Clara disse...

também quero desse tempo...anda tão escasso e caro!
Só de lembrar o que não fiz...vou sair sem norte, hoje.
1 beijo e bom fds!

Mocas disse...

Realmente tudo tem um princípio e um fim que quase nunca escolhemos...e o tempo vai relativizando as más experiências. O mesmo não me parece que aconteça com as boas...essas vão parecendo cada vez melhores...e as saudades cada vez maiores...pelos menos comigo...sou muito nostálgica.

Gostei muito de ler o que escreveste

Beijinho Muito Grande e aproveita o sítio onde vives...pois deve ser um paraíso

Tia Moky disse...

Olá!

Que bom que tivesseste esse tempo para ti! E aproveitáste-o bem!!
Quando escreves um post, em que andas a passear, eu deixo-me levar e passeio contigo...sabe bem!! Obrigada!!

Beijos Tia Moky

Sara MM disse...

Uma noite bem passada! Bendito portão ;o)
Por aqui, qd nos esquecemos dessas coisas, eu cá não me levanto (até porque estou de camisa de noite-boa desculpa) e lá foi o pobre do Ricardo :o|
BJs

Márcia Pinho disse...

Olá Margarida, concordo contigo. Andamos sempre a correr de um lado para o outro que nem temos tempo para nós nem para observar aquilo que nos rodeia ....
É bom de vez em quando parar um pouco ....
Beijinhos grandes de Margaridas para Margarida !!!! (se ainda não sabes eu sou Márcia Margarida )
Márcia

Márcia Pinho disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Márcia Pinho disse...
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C_de_Ciranda disse...

Como sempre, minha querida, és um bálsamo para as almas cansadas. De repente até eu fiquei revigorada com esse passeio nocturno. Que bom partilhares esses momentos e fazê-los, porque não, também um bocadinho nossos :)

Beijinho e obrigada minha querida.

*** Ciranda

Anónimo disse...

Infelizmente, os passeios nocturnos, pelo menos nas cidades, passaram a ter uma companhia indesejável: a insegurança. Não foi só o Tempo que nos sonegaram, foi também esta coisa simples de sair à rua sem receios.

Raquel Vasconcelos disse...

"De que serve viver num sítio quase idílico se andamos sempre a correr de um lado para o outro?!"


A descrição é idílica mesmo...
E ao mesmo tempo sei como é fácil gastarmos o tempo em coisa nenhuma... Aproveita, o melhor que souberes...

Bjs :)


Ai...