segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

Quando os homens mentem

Quando comecei a ter aulas de filosofia, divertíamo-nos com uma coisa muito simples: silogismos.
Achávamos imensa graça ao facto de, fazendo raciocinios absolutamente correctos, do ponto de vista formal, chegarmos a conclusãos absurdas. Eram falsos silogismos. Mas este, por exemplo, é verdadeiro:

Os homens mentem.
O V. é homem.
Conclusão: O V. mente.

Está certo. Este está absolutamente certo!
Apanhei o bondoso V. a mentir-me, pela primeira vez.
Estava ele muito caseiro a comentar que lhe apetecia um programa calmo quando, talvez para ilustrar a ideia, diz o seguinte: Tinha um jantar de aniversário, mas não vou. Era a festa de uma amig...
O discurso era perfeitamente audivel: uma festa de uma... ; as primeiras silabas da palavra "amiga" foram ditas num tom muito baixo e a última letra - a letra "a"- nem foi pronúnciada. Não era necessário, eu tinha percebido.
Sorri porque percebi o embaraço. Ele prosseguiu: Era a festa da filha pequenina de um amigo meu."
Eu resolvi ser simpática e ajudei: Pois. Da M., filha do B.? Coitadinha! Está melhor?
Ele respirou fundo, falou na pequena M., no pai dela, amigo dele, e depois noutros assuntos.

Mentiu.
Não era a festa da pequenita. As festas de crianças de três anos não são jantares, são lanches.
Recuou no que estava a dizer, atrapalhou-se, deu-me uma justificação falsa.

Até há pouco tempo teria feito um drama. Gritava, chamava-lhe mentiroso... e depois ficava de rastos, a sentir-me enganada e a mais infeliz das criaturas. O A. foi sujeito a várias cenas destas (algumas delas mais do que justas!).

Agora, percebi que o V. me mentiu. Mas, porque mentem os homens?
Mentem porque a opinião que temos deles lhes interessa, porque querem agradar-nos, porque temos importância para eles. E foi isso que percebi com a mentirinha do V.
Tinha sido convidado para a festa de alguém do sexo feminino, e com bem mais do que três anos.
Mas não foi.
E que mal há em ter sido convidado por uma amiga? Eu posso convidar amigos para uma festa!
Que mal há? Nós nem temos nada, assim de concreto, não existe uma relação oficial. E, mesmo que houvesse, continuaria a achar normal que ele tivesse amigas. Não vai deixar de falar às pessoas, mas vou querer ir com ele às festas, ai isso quero!

Mentiu. Mas mentiu porque se preocupou com a minha reacção, teve medo que ficasse aborrecida. E não foi à festa...
Percebi que estava preocupado com a minha opinião; só isso. Afinal, uma mentira não é sempre má. Deve ter sido a primeira vez que uma mentira me soube bem!

7 comentários:

Vilma disse...

Este teu post está fantástico... só demonstra a tua maturidade face a essa situação. Acho que nem a consideraria uma mentira, foi um dar a volta, entendes né?

Anónimo disse...

Eu tenho um amigo de longa data que se apaixonou perdidamente por uma mulher, com quem está a viver uma linda história de amor... Mas só me telefona quando ela não está ao pé dele. O outro dia, aproveitou ela ter saído, para me dar uma ligadela, e quando ela voltou desligou muito rapidamente o telefone. Ele diz que eu sou a sua melhor amiga... portanto não devia reagir desta maneira quando a mulher dele aparece, não é? pelos vistos, não... Homens! vá-se lá compreendê-los!
beijos, Gracinha

FMS disse...

A relação mais bonita que vivi até hoje, curiosamente, foi com uma amiga de infância. Conhecemo-nos quando tínhamos 11 anos, mantivemos contacto aqui e ali, pela faculdade, cornerstones of life etc etc e aos 31 encontrámo-nos e pronto. Até ter começado havia a idéia bem clara que não iria começar, porque reductio ad absurdum, se fosse para isso já deveria ter começado. A lógica nestas coisas é um naco de azevinho.
Hoje olhando para trás vejo que o que fez iniciar a relação foi a recepção, mútua, da idéia que transmitimos de cada um ao outro. Os princípios teóricos e as acções práticas.
Com a prova sucessiva que os princípios não correspondiam às acções, a coisa terminou.
Pretende-se com isto alvitrar a hipótese de que a mentira é o único ponto de confluência entre o homem e a mulher. Ambos mentem para ser, estar e dar melhor ao outro. As pessoas de quem vale a pena falar, isto é.

Sara MM disse...

Omitir não é mentir! (ensinou-nos a minha avó)
Ele tentou omitir...
BJS
Sara

Cláudia disse...

O comentário da Teresa não podia ser mais certeiro: ouve primeiro e avalia depois... escutar é fundamental; conversar é a base de tudo... e confia nas boas intenções.
Beijinhos mimados.

FMS disse...

Omitir, mentir e escamotear é tudo igual...

Margarida Atheling disse...

Livra!
Mr. Ringthane, que rigor!!!