Quando era pequenina comia bolachas maria, dadas pela minha avó, barradas com muita, muita manteiga.
Acho que já nessa altura não gostava muito de bolachas. Acho que as comia porque me eram dadas com mimo, porque gostava das diferentes texturas na boca, do estaladiço da bolacha e do aveludado da manteiga que se derretia na boca; porque gostava do barulhinho que fazia ao trincá-las, porque gostava do contraste do doce da bolacha com o salgado da manteiga.
Passei pelo super-mercado e, nem sei porquê, trouxe um pacote. Tomei um banho demorado antes do jantar, depois dos creminhos vesti o pijama, esvaziei o pacote para dentro de um prato, agarrei na manteiga, arrumei-as no tabuleiro e trouxe-as para cima.
Aninhei-me no sofá pequenino junto à janela, também ela pequenina, das águas furtadas.
Fui comendo bolachas maria com muita, muita manteiga.
Cá dentro o ar morno da casa; lá fora, logo ali, do outro lado do vidro, as árvores agitavam-se fustigadas pelo vento frio e o aguaceiro de granizo.
O estaladiço das bolachas e o aveludado da manteiga; o doce das bolachas e o salgado da manteiga.
Era pequenina outra vez.
Vestia vestidinhos de mangas de balão e golas bordadas, mas subia às árvores e esfolava os joelhos; dormia de bom grado até tarde mas escapulia-me de casa em bicos dos pés, à hora da sesta, para passear o cão à trela; gostava que me contassem histórias à noite mas sabia-as todas de trás para a frente e emendava imediatamente qualquer desvio do narrador; ria em vez de chorar quando caía, queria dar passeios sózinha mas deliciava-me com os passeios que dava pela mão do meu avô e era apertada por muitos abraços, abraços daqueles eternos, que nos envolvem e protegem mesmo quando os braços se afastam, daqueles que duram toda a vida e para além dela, daqueles que só existiram dados por ele que os outros são eternos só enquanto não se desfazem; um monte de pedras que existe na mata era o meu castelo, achava as princesas das histórias um encanto mas dizia muito séria que detestaria ser rainha; dormia apertadinha na cama porque tinha que deitar, por ordem, dez bonecas ao meu lado; uma delas chorava quando se tirava a xuxa, o que, não sei como, acontecia sempre durante a noite, até a minha mãe lhe tirar as pilhas antes de dormir; aprendi depressa a andar sem rodinhas na bicicleta cor de laranja; comecei a nadar, ensinada pelos meus avós e não tinha medo das ondas, mas tinha medo de andar na canoa insuflável na piscina; adorava visitar castelos, mosteiros e museus e quando as visitas tinham guias eu era uma amostra de gente, muito atenta, à frente de todas as outras pessoas; cantava canções para as pessoas de quem gostava mas só quando as julgava a dormir porque era demasiado envergonhada para o fazer de outra forma; ria muito; os dias eram cheios e tinham uma luz diferente dos de agora, o Verão era quase interminável.
Quando era pequenina comia bolachas maria, dadas pela minha avó, barradas com muita, muita manteiga.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
Bolacha Maria
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14 comentários:
E tudo era muito bom!!!
E sabe tão bem recordar!!!
E ainda bem que as bolachas Maria são eternas!!!
:)
Uma infância feliz :))))) como todas as crianças deveriam ter...
É mesmo engraçado como sinto que temos tantas coisas em comum!
E ainda apetece ser essa menina às vezes, não é? E continuar a subir às árvores e a ter o nosso próprio castelo :)
Também acho que há qualquer coisa de mágico nas mãos dos avós: transformam tudo em algo especial.
Memórias da nossa infância são mesmo as melhores!:)
Eu comia e como com fatias de queijo!:)
Jinhos
Que belo retrato da infância. conta mais ...
Um beijinho Grande
Às 5 horas da tarde, todos os dias, na rua Entreparedes (perto do Teatro Nacional S. João) no Porto, um cheiro maravilhoso invade o ar e perfuma-o deliciosamente. É a fábrica de Bolacha Maria, onde muitas vezes passei com a minha avó.
Ainda hoje quando lá passo às 5 da tarde, fico parada na rua, de nariz no ar, com saudades da minha meninice e a morrer de saudades da minha avó.
Eu adorava (e ainda adoro) bolacha maria com manteiga... e com queijo também! Em casa da minha avó eram as bolachas que havia... isso e Torrada e Biscoitos Minhotos (assim lhe chamávamos...)
Ainda hoje comi duas bolachitas Maria (sem mais nada) como sobremesa de consolo... A dieta não dá para mais! :)
Mas é bom recordar!
que saudades né? eu era fã da bolacha com manteiga.bons velhos tempos os da infancia é pena terem passado tão rapido.
acho que hoje as crianças crescem depressa demais.tb adorava subir ás arvores passava lá horas lá sem ninguem saber so o raio do gato me denunciava.
beijos
Luna
Mais uma para se juntar ao Clube da Bolacha Maria.
Punha muita manteiga nas costas de uma bolacha, depois tapava com outra para fazer uma sandes, apertava com forca e pelos buraquinhos da bolacha via-se a sair fiozinhos de manteiga que eu chamava minhocas. Hoje em dia ja nao tenho apetite para essas coisas, mas a recordacao, essa sim, para mim eh deliciosa!
Ana Felpuda
Maçanica: Sabes mesmo! :))
Reborn: a memória é uma coisa selectiva e tendemos a lembrar mais as coisas boas. Há coisas que só percebemos que não foram assim tão perfeitas porque não gostariamos de as repetir com filhos nossos, isso acontece mesmo a toda a gente. Mas sim, foi uma infância feliz; às vezes, muito feliz mesmo! :)
Todas as crianças deviam ter esse direito!!
Gralha: Muitas coisas em comum e todas elas boas! ;)
Ai! Se apetece ser essa menina outra vez, às vezes... Se apetece...!!! :))
Piquinota e Gorduchita: Eu, às vezes também. Mas sempre com manteiga. Também comia com marmelada, e manteiga. :)
Nota-se muito que gosto de manteiga?! ;)
Coração impaciente: vai saindo com o tempo. Isto aqui no blog é tudo muito expontâneo! :)
Ariana Luna: Deve ser tão bom...! :)
E também é tão bom termos coisas que nos deixam tantas saudades!
Luna: Também acho que crescem depressa demais e que crescem privadas de muitas experiências que nós tivemos e que nos foram tão benéficas quanto agradáveis; falta-lhes o tempo que tinhamos, a liberdade, a maior próximidade com a natureza. O mundo deles é tão mais artificial do que o nosso era.
Eu era denuncida pelo cão! :)
Ana: Mas o importante mesmo é a recordação! :)
Vamos formalizar o Clube da Bolacha Maria?! ;)
agora só te falta vestir novamente vestidinhos de mangas de balão e golas bordadas, subir às árvores e tudo o resto. :D
ps: sabes k, para kem gostava d ouvir histórias, tbém t'ajeitas para conta-las.
que texto mais liiiiiiiiiiiiiindo!!!!
e que menina pequenina tão linda :o)
qt às Maria com manteiga.. tb adoro... e nao comia desde pequenina... tal como tu... e sabes quando comi de novo?!?!
no passado dia dos meus anos (30dez), porque a-que-agora-é-pequenina, estava tão chorona que não pude comer o jatar do meu próprio dia de anos!! desforrei-me depois, qd ela adormeceu, já era de madrugada :oD
LOL
não me fez lembrar de quando as comia em pequenina... com o meu primo... era ver quem fazia uma sandes maior... conjuntos de 5 ou 6 bolachas para comer de uma vez só, todas separadas por manteiga...
belas recordações! :oD
bjss
É por essas e por outras que aqui na gaveta à minha direita tenho um pacote de bolacha torrada. Que, desde pequeno, sempre foram as minhas preferidas.
A elas!!
Nelson: Tudo o resto?! Assim tipo... esfolar os joelhos, andar na biciclete cor de laranja que tinha daquelas rodinhas de apoio atrás, dormir com 10 bonecas da cama sendo que uma ficava sempre sem xuxa e acordava com aquilo (que se chamava Ritinha) a chorar a meio das noites?! Obrigadinha!!! ;)
Quanto a contar histórias... tu também tens jeitinho. :)
Sara: Eu também fazia essas competições com o meu irmão! E temos que reconhecer que não era nem muito bonito de se ver, nem dava grandes resultados, eras bocadinhos de bolacha pelo chão, era manteiga nas mãos... :D
Rui: As bolachas torradas também servem. Também as comia, mas sem manteiga. :)
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