quarta-feira, 11 de maio de 2005

O sapo

Era uma noite de Fevereiro. Húmida e fria.
Não me lembro das horas.
Não sei a que horas jantámos. Nem deviamos ter jantado. Depois do que se tinha passado naquele dia. Mas, por isso mesmo, não queriamos encarar ninguém. Nisso estávamos de acordo.
Saímos de carro. Ele tinha um compromisso. Passou-me a mão pelos cabelos, pela cara... Pensou adiá-lo. Lembrei-lhe que tinha que ir. Esperei no carro. Foi rápido. Voltou a sorrir! Mas eu evitava encará-lo nos olhos! Não queria ver!

Não tinhamos fome. Não sabiamos para onde queriamos ir, nem se queriamos. Tinhamos pressa, mas sem sentido.
Acabámos por comer qualquer coisa num McDonald´s. Foi a primeira e última vez que jantei num sítio desses em Portugal.
Ele falava, e eu não olhava para ele. Nem sei o que disse.
Lembro-me vagamente de falarmos num documento preciosíssimo que eu tinha descoberto nesse dia. Era só ele que estava empolgado.
Aquilo era uma despedida!

Lembro-me da viagem na auto-estrada.
Da chuva miúdinha. De ter tentado dormir e não conseguir. De ouvir a voz dele em conversas sem sentido. De sentir a mão dele e de me assustar com a condução.

Lembro-me de seguir por estradas familiares. Do escuro.
Havia um sapo na caminho... Ele parou o carro. Disse-me que adorava sapos. Como é que eu não sabia?! Como é que ainda havia coisas que eu não sabia acerca dele?!
O sapo não saía da estrada. Saí do carro para o obrigar a atravessar.
Aquele sapo... e a chuva miúdinha e persistente.

Mais tarde, lembro-me do calor. De ter reparado, ao fim de tanto tempo, como a minha pele era mais clara do que a dele, de ouvir, ao longe, as badaladas do relógio da torre, das mãos dadas, da luz da lua a entrar pela janela porque a chuva tinha parado, de descançar a cabeça no peito dele. Mas aquilo era uma despedida!
Não era mais uma. Era a despedida!

Lembro-me de ele ter dito baixinho: Vou-me embora. Ou para um país menos desenvolvido, para ensinar, ou para um mais evoluído para aprender mais.
Nem ripostei. Estava habituada a partidas. A ter o mar pelo meio.
Mas, desta vez, não era uma viagem que nos ia separar. Aquilo era, realmente, uma despedida!

Não foi o fim. O destino encarregou-se de tranformá-lo num outro início de uma outra coisa que teve um fim. Definitivo.
Onze meses depois partiu. Podia ter ido antes. Quem o prendeu partiu também, ele sim, para sempre. Para um sítio de onde não se volta.
Não imagino quantas pessoas terão também descansado a cabeça no peito dele depois disto. Nem sei quem o fará agora. Nem me importa.
É o sapo! É a imagem do sapo que não me sai da cabeça!
Foi o sapo que me sem deixou dormir na noite passada! Foi o sapo...
E eu até gosto de sapos, mas...

11 comentários:

Jolie disse...

O sapo. Também eu a semana passada fui embalada no sono ao som de muitos sapos. Aquele som e o sapo que ocupava todos os dias o mesmo lugar em frente à minha porta também vão ser difíceis de esquecer.

As lembranças podem ser outras. Mas é engraçado como coisas tão inimagináveis nos marcam e relembram uma determinada época da nossa vida.

Quanto ao resto não sei o que dizer. Digo apenas que cada vez gosto mais de te ler.

Beijinhos
Sandra

Anónimo disse...

Querida Margarida,
Se interpretei bem as tuas palavras, peço-te, AGORA NÃO!!!
Não te deixes ir abaixo, onde está a tua força?! Agora precisas dela.
Um beijinho e um abraço forte,
EP

PS: Eu estou aqui se precisares.

Anónimo disse...

Muito bonito! A arquitecta sou eu mas és tu que transformas em coisas bonitas tudo aquilo em que tocas.
O pior é a parte triste das coisas.

O que me agrada neste processo, que magoou os dois, é que foi ele, de longe, quem perdeu mais.

Não olhes para trás Margarida! Não de dói fazer isso?

Beijinhos

Catarina

Vilma disse...

Linda, coração ao alto...! ;) Vais vencer...

Ana Rangel disse...

Minha querida Margarida... um abraço apertado para ti... e mil beijinhos!

Mocas disse...

Essa reflexão é bem triste... nem sei o que possa dizer. Muitas coisas que parecem mais ou menos arrumadas na nossa cabeça, voltam e voltam e teimam em voltar. O tempo encarrega-se de ajudar...mas nem sempre. É preciso muito tempo...e muito trabalho mental da nossa parte.

Beijinho Grande
Mocas

Anónimo disse...

O sapo era o verdadeiro principe encantado!!!!!
Jocas e tem calma!

Margarida Atheling disse...

Dói Catarina.
Mas é preciso que doa!
É como desinfectar uma ferida.
É calar que faz mal!
Sei agora que o sapo, ou qualquer outra recordação daquela noite não me vai perseguir. Soltei-as!
E preciso falar para esquecer. De vez!
Porque não resta nada a não ser mesmo recordações que caladas e alimentadas podiam tranformar-se em nostalgia e depois em coisas piores.
A distância (no tempo e física) embeleza as recordações, adoaça-as. Mesmo o que foi mau. É preciso deitá-las para a rua! E seguir em frente...

Obrigada meninas!

E, quem sabe, Ana?! ;)

Sara MM disse...

queria comentar... mas só consigo dizer ..........................................................(desculpa se te desiludo)
Bjs

André Parente disse...

Sapos!? Contava-te uma historia de sapos que até ficavas maluca! Mas é melhor nao que tu já estas zangada comigo o suficiente... ;)

Margarida Atheling disse...

Vá! Conta lá!
Quero saber!
Não estou nada zangada contigo!Tonto! :)