Com os músculos doridos, o cansaço da actividade física e a tranquilidade que um banho longo de água bem quentinha dá, não me apetecia fazer nada à noite.
Ler um bocadinho - coisa que tenho tido muito pouco tempo; ou vontade, de fazer - era uma boa hipótese.Pus um CD, instalei-me em cima da cama, preguiçosamente acomodada pelas almofadas. Abri o livro. Cheio de batalhas da Inglaterra Medieval. No cima da página lia-se Waverley Novels e o número 182.
Prestei atenção à letra da música. E à letra da música seguinte.
Reparei que, à medida que o tempo passa, as letras das músicas me dizem mais. Porque a vida nos vai dando experiência. Porque vamos sabendo exactamente o que as palavras querem dizer, porque vamos reconhecendo sentimentos.
Reparei numa fotografia do verão em que tinha quatro anos. Lembrei-me muito bem. Tinhamos ido visitar os meus avós paternos à Nazaré. O meu pai tinha insistido em levar-me, pela mão, a tomar banho no mar. Eu não queria. Veio uma onda, passou por cima de mim e lembro-me da sensação da areia a bater-me misturada com a água e da força daquilo tudo, de perceber que era mesmo pequena e de me sentir agarrada. Sempre preferi desembaraçar-me sózinha no mar (mas só no mar!). E nunca gostei assim muito daquela praia, mas descobri, entretanto, que até tem umas ondas bem bonitas para se ver do lado Norte do faról.
Olhei para outra fotografia. Lá estavamos nós em Florença. Quatro amigas.
Lembrei-me de ter tido medo de subir à cúpula da catedral, de quase termos ficado uma noite na rua por termos perdido as horas para voltarmos para a pousada - que era linda, por sinal! Da perseguição dos alemães. De termos encontrado outros portugueses. E do restaurante do Georgious, o único sítio onde conseguimos comer sopa durante todo aquele tempo.
Os cães ladraram lá fora. Tentei perceber o que seria. Sem me mexer. Só pela intensidade dos latidos.
A minha cadela continuava a dormir estendida ao lado da cama. Não era, óbviamente, nada de sério.
Pensei se a minha égua estaria já a dormir. Devia estar cansada também. Como eu.
O telefone tocou. Não me apeteceu atender. Desliguei-o.
Voltei a dar atenção à música.
Acomodei-me mais nas almofadas.
Vi a fotografia da Maria, minha prima-afilhada. Está linda, com caracóis escuros. E tão crescida!
Lembrei-me do contacto bom dos abraços dela. Da graça que tem nas suas brincadeiras. Do dia em que soube que ela ia nascer, de saber, por intuição, que ia ser uma menina, muito antes da ecografia.
Da ansiedade dos dias antes do nascimento. Das lágrimas de alegria no dia em que nasceu naquele Domingo quente de Julho, ao meio dia em ponto, e de ter recebido a notícia à beira mar.
Pensei o quanto era injusto crescer sem a atenção do pai - meu primo! O quanto é injusto que as crianças paguem pelos erros dos pais. Que os pais não percebam! E que não se importem!
Olhei para o candeeiro e lembrei-me que tinha que ir pagar a luz. E que tinha mais uma quantidade de coisas para pagar hoje.
Pensei também no dia apertado que tenho pela frente.
Lembrei-me da P., a quem prometi uma visita há tanto tempo.
E na I. a quem não telefono.
No carro novo do meu irmão e de como ele partiu o outro sem se ter magoado.
Na caixa com dezenas de CDs que ele deixou esquecidos há uns dois meses na garagem.
Na lista de namoradas que ele tem tido, e eu conhecido. De como as coisas estão tão sérias com esta!
Pensei nas poucas cerejas que tinham sobrado do meu ataque da tarde, mas não me apeteceu levantar-me para as ir buscar.
Lembrei-me, nem sei porquê, da minha licenciatura. De alguns professores, de alguns colegas e de algumas matérias. Dos horários. Dos Combis comidos todos os fins de tarde quando tinhamos aulas até às 8H.
E das fugas a uma determinada aula. E de como, quase sempre, por mais que variássemos o itenerário, cruzávamos sempre com esse professor.
Dos lanches no Continental. Do chá e dos queques com noz!
Dos bilhetes trocados durante as aulas. Dos ataques de riso. De como foi bom! E fácil!
Reparei que já lá vão uns anos...
Lembrei-me, talvez por isso, que devia ter terminado o mestrado há muito! E de como arranjei uma desculpa credível para não o fazer de imediato. E fiquei a pensar que, bem vistas as coisas, até tinha muita vontade de o acabar já!
Lembrei-me de Expo... Sei lá porquê!
E disto e daquilo... Os olhos começaram a pesar. Devo tê-los fechado.
Reparei que o CD tinha acabo. Levantei-me e desliguei-o. Resolvi apagar o luz e dormir.
A página do livro dizia, no topo, Waverly Novels e tinha o número 182.
2 comentários:
Eu acho que é a idade... eu também ando assim... e lembro-me de cada coisa!
Beijocas
P.S. É sempre um prazer "ler-te"...
E fizeste-me lembrar de muitas coisas que tenho tantas saudades... uma delas da faculdade! Foram os anos mais maravilhosos da minha vida!!!!!
Jinhos
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