quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Tesouros

Se ocorresse uma catástrofe e só pudesse salvar um número muito restrito de objectos, tão pequeno que pudessem caber num bolso, levaria estes.
E levaria sempre esses, independemente do número e das dimensões dos objectos que tivesse oportunidade de salvar.

Um vestido de bebé que me foi dado pelo meu Avô, pouco antes de morrer, que lhe tinha sido dado pela Avó dele, e que ele chegou a vestir.
Um terço que encontrei, acidentalmente, quase completamente enterrado num páteo de cá, e que me foi dito depois que tinha sido da minha Trisavó, de quem herdei o nome.
Uns brincos de ouro, que foram dessa mesma trisavó que, por sua vez, os tinha herdado de uma Avó.
Uma vieira, cuja história não revelo aqui.

E se tudo parece remeter para um passado, encerrado, nada é mais ilusório.
Podia discorrer longamente acerca do que cada um me diz e dá, mas isso, para além de ser demorado, é excessivamente privado para o fazer aqui.
Todos eles, à sua maneira, são bem o contrário disso. Sinal de que existe em tudo uma linha de continuidade, que os caminhos são longos, que tudo é complementar, que há ciclos longos e ciclos curtos, que há uns que se fecham, finalmente. Que há um sentido para as coisas, e que ele, a seu tempo, se tornará claro.

Nestes objectos estão, provavelmente todas as respostas de que preciso, incluindo uma que diz que não vale a pena querer saber tudo de uma vez, nem tentar agarrar o mundo todo de repente, que cada coisa acontece por um motivo e que, a seu tempo, tudo se encaixa num puzzle, finalmente, completo. Um dia...

Eram os objectos que salvaria.
Não eram os mais úteis. Na verdade, do ponto de vista prático, não teriam qualquer utilidade.
Também não eram os mais valiosos. Se excluirmos os brincos, o valor económico de todos eles é absolutamente insignificante. Incluíndo das rendas do vestido, apesar de serem finíssimas rendas trazidas da Flandres, do tempo em que tudo era trazido a cavalo. E mesmo os brincos, não são, de todo, a joia mais valiosa que existe em casa.
Mas são os mais importantes para mim. Os que me fazem falta. E cada um de nós, lá terá os seus tesouros, os principais dos quais nem serão visíveis.

9 comentários:

Ana disse...

Adorei o que escreveste, e fiquei a pensar, em caso de catrastrofe o que era tao importante para mim ao ponto de querer salvar isso de ser destruido para sempre?
Nao foi preciso pensar muito. Nao levava rigorosamente nada.

Unknown disse...

Aqui está mais um exemplo de que nem sempre os bens mais valiosos, monetáriamente,são os que nos trazem mais felicidade.

O ser Humano precisa de tão pouco para ser feliz. Pena que poucos saibam disso.

Beijinhos

gralha disse...

Só quem compreende de onde vem consegue olhar para a frente com a devida perspectiva, não é? Eu também sou muito zelosa de certas pequenas coisinhas :)

Bom fim-de-semana!

Rui disse...

A areia estava fria. Como ela gostava. abandonou os sapatos e caminhou na direcção da água. Era muito cedo. O sol, estremunhado, não tinha conseguido ainda vencer a neblina da madrugada, dando um tom irreal à praia. Estava sozinha, condição suprema para o que a levava ali.
Ao pisar a areia molhada, parou. Juntou as mãos, fechou os olhos e encostou o queixo ao peito. O que disse a si própria - na esperança que fosse ouvida algures - ninguém sabe, que nunca contou. Apenas que era algo que precisava ser dito.
Retirou depois um objecto do bolso do casaco de malha, que apertou com força, e dirigiu-se à beira mar. Sem pressa, mas com uma determinação que lhe era característica quando se decidia a algo, submergiu o objecto na água.
A sensação refrescante da água a passar-lhe pelos longos cabelos coincidiu com o primeiro raio de sol a chegar do horizonte.

NaRiZiNHo disse...

Não são valiosos monetariamente, mas sem em sentimento e representa o teu passado, presente e futuro, não é?
Gosto muito da forma como preservas a tua história.
:-*

Anónimo disse...

Muito bem, Margarida, muito bem!!! E não nos interessa nada os porquês, são os teus tesouros e ponto final.
Tomara que todos pudessemos, como diz a Gralha, compreender, até saber, de onde vimos para podermos avançar com pé firme para o futuro.

Beijinhos

Mocas disse...

Há objectos que representam as nossas referências. Que são os nossos caminhos invisíveis ou não palpáveis. As nossas "paragens" de partidas e chegadas.

Comigo é assim.

Fiquei encantada com esses tesouros. Até com a vieira ...

Beijinho Grande

mocas

dinorah disse...

"Todos eles, à sua maneira, são bem o contrário disso. Sinal de que existe em tudo uma linha de continuidade, que os caminhos são longos, que tudo é complementar, que há ciclos longos e ciclos curtos, que há uns que se fecham, finalmente. Que há um sentido para as coisas, e que ele, a seu tempo, se tornará claro"...

Que lindo, Margarida...
Adorei o teu texto, as tuas recordações e hoje aprendi mais alguma coisa que vou guardar cá dentro.
É curioso, como por alguma razão hj vim ao tu blog (que já não vinha ha algum tempo) e deparei com uma resposta que andava a precisar há uns dias!!

Muitos beijinhos

Maria disse...

Puseste-me a pensar.. e há realmente coisas que nem parecem, mas numa situaÇÃO como á que tu descreves tomam toda a importância do Mundo.

bjhno