Lá em cima é assim. Chega-se, e é-se recebido primeiro pelos saltos entusiasmados do Soajo, bom e fiel cão de guarda.
De seguida, vem a E. à porta, quase sempre de pano na mão, vinda da cozinha. Ri-se e avança em nossa direcção de braços e sorriso abertos e repetindo, embevecida: ...as minhas meninas...
Abraça-nos de forma decidida, larga-nos, afasta-se um pouco para nos avaliar e diz sempre que estamos magrinhas e a precisar de descanso e das comidinhas que faz. Muitas vezes estamos mesmo. Não magras, mas a precisar de descanso e das suas comidinhas, já para não falar dos seus mimos.
Depois volta a abraçar-nos e de seguida empurra-nos para dentro de casa.
Uma boa parte das vezes que lá vamos (sobretudo eu), é para curar feridas da alma. E ela adivinha-as no caminho que faz da porta, até ao carro.
Desta vez parou antes de nos abraçar pela primeira vez. Os olhos vermelhos de horas de choro, de dias (de semanas, de meses já), das suas meninas não enganavam. E bom mesmo foi poder dizer-lhe a que se deviam, sem medos nem rodeios. Lá, podemos sempre ser quem somos, sem esconder nada nem medo de julgamentos ou penalizações.
Benzeu-se com a convicção e força que as mulheres do Minho guardam. Pronunciou um Deus os guarde, de olhos postos no céu, e empurou-nos para a cozinha com determinação. E só depois de nos por à frente duas chavenas de chá de lúcia-lima, da horta, lhe vimos umas lágrimas na cara. Tentou disfarçar mas saltamos-lhes as duas para o seu pescoço. Estranho, mas é ali que me sinto em casa.
Durante esse fim-de-semana cuidou das suas meninas. Enquanto ia repetindo que não achava bem que estivessemos ali sózinhas. Levou-me o pequeno-almoço à cama enquanto se queixava que a cama era demasiado grande só para mim. Percebia bem o que queria dizer, mas aquela cama é a mesma onde sempre fiquei. Depois sentou-se na cama, deu-me um abraço demorado e passou-me a mão devagar pelos cabelos. Eu senti-me com cinco anos. Ela riu-se e disse que afinal se eu não estivesse sózinha não se sentiria à vontade para estar ali a dar-me mimo. A sabedoria de retirar as coisas boas de todas as situações...
Ela e aquela casa enorme de granito são uma fortaleza e, o mesmo tempo, um ninho.
E, não muito longe dali, a Lapela, sólida e protectora, agora como no Sec. XII, quando nasceu e foi menina. Quando o Lourenço de Abreu a contruiu, e quando o D. Afonso Henriques lhe deu um destino e uma função, ela protegia de outros males mas, 900 anos depois, continua a estender a sua sombra protectora aos netos de quem lhe deu origem. Outros tempos, outros males...
E o rio Minho, mesmo, mesmo aos seus pés, e a água fria, boa para os peixes. E os seixos que vou pisando até me esquecer do frio da água, e me atirar lá para dentro. No fim de semana passado, o Sol ainda reconfortava com o seu calor à saída da água. Às vezes (quase sempre), acho que aquelas águas são milagrosas.
E o tempo levou uma eternidade a passar, de um modo. E escorreu-me por entre os dedos, de outro.
Não queria ter voltado. Nunca quero. Sempre, desde pequena, achei que o meu caminho era mais para Norte. Não sei onde ainda. Mas mais para Norte, sempre soube que era.
Dizem que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Eu acho que há lugares onde devemos voltar sempre. Sempre.
Felizes, ou infelizes. Com energia ou cansados. Com sorrisos ou com lágrimas. Sózinhos ou acompanhados.
Há lugares onde se deve voltar sempre. E mesmo quando se parte, devemos levá-los sempre connosco.
15 comentários:
Tu és mesmo muito especial! :-)
Devias voltar mais vezes, devias, a Elvira adorava poder ter lá mais tempo a "sua Margaridinha" sob a sua protecção.
Foi um fim de semana que até ainda me mete medo, assim como os dias que o antecederam e ainda pior os que se seguiram. Há coisas que ainda nem acredito que passaram.
Mas há sempre mais coisas que esta vida é um novelinho cheio de nós e tu deves correr sempre para lá, nos bons e nos maus momentos.
Há lugares especiais e também há pessoas especiais: tu.
E há as pessoas de sorte: as que te têm na vida.
Beijos
Catarina
Meu Deus, Margarida!
A tua escrita arrepia-me.
Um beijinho e tudo de bom
Miuda... eu nunca me meti nisto dos blogs mas foi uma excelente estreia!
Tu fazes arrepiar! Escreves como sentes, não é!?
A ti que gostas tanto de me ver de acordo com a tua amiga, digo-te que em relação a ti eu e a Catarina não podiamos concordar mais. Estamos na mais perfeita sintonia!
E caso não te tenha dito ainda, sinto-me muito contente por ela te ter como amiga e por podermos contar contigo como contamos.
Mas olha que foram vocês que quiseram ir sózinhas, hã!? Eu por mim teria ido, isso que fique claro perante a Elvira.
Combinem lá vocês meninas, e façam os convites certos. ;)
Beijinho, ó special one! ;)
Pedro
Sabe sempre bem voltar, onde sempre nos trataram bem.
Beijos
Isa
Gostei tanto de ler isto. Parece-me sempre que sou quase eu a falar, com outros nomes, noutros tmepos, a propósito de outros lugares.
um beijinho e que a tempestade já tenha passado!
ai que bom... até a mim me soube bem esse quentinho, esse conforto! estava tão precisada...
Bjss grandes
Muito bonito Margarida!
Beijos
Que bom teres esse lugar e esse abraço apertado aonde voltar. E espero que tenhas podido retemperar as forças. O Outono é a tua estação, Margarida. Quando os outros se recolhem, tu renasces das cinzas, sim?
Um beijinho e coragem :)
A importância que tem na nossa vida,um lugar assim,não é?
beijo
Quando te leio senti-me embalada pelas tuas palavras, faz-me muito bem.
Pena tenho eu de nao ter assim um sitio tao lindo onde pudesse descansar.
Beijinhos para ti.
Devemos voltar sempre aos sítos onde fomos felizes se lá continuarmos a o ser. Tu continuas a ser feliz nesse local especial, ou pelo menos reconfortada, amada. Por isso deves voltar sempre.
faço minhas as palavras da shu.
bjinhos grandes
lindo texto!
e a nostalgia que me deixou na alma... eu, que nuna tive um sítio assim.
Tal como dizes: "Há lugares onde se deve voltar sempre. E mesmo quando se parte, devemos levá-los sempre connosco."
Devemos levar os lugares e as pessoas no coração!
Jinhos
há lugares que nos marcam, eu tenho dois ou 3
abrazo europeo
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