Não sei se foi por ter sido acordada pelo Sol que entrava pelas aberturas das portadas e pelos pássaros que, apressados, cantavam enquanto se ocupavam da construção dos ninhos.
Não sei se foi por poder tomar o pequeno-almoço na rua, sem casaco e com um dia tão brilhante ou sei foi pelos banhos de mar, em água tão fria, dos últimos dias.
Não sei se foi pela simpática e generosa oferta de uma viagem que me foi feita ontem (ou hoje, já).
Sei que acordei relativamente bem disposta, que me senti com algumas referências, coisa que me tem faltado nos tempos mais recentes. Sei que abri a caixa das bugigangas (sim, estas coisas têm uma caixa própria) e tirei de lá uma caixinha azul onde estava esta medalha.
Foi comprada em Murano.
Podia ter sido comprada em qualquer outro lugar; mas foi comprada em Murano, porque foi lá que foi feita, porque foi só por isso que a comprei.
Levantámo-nos de manhã. As sirenes tocaram a avisar que estava acqua alta, o dia estava cinzento e ventoso, a ondulação forte e desordenada.
Calçamos botas, vestimos impermiáveis e enchemos as mochilas com bolachas, sumos, água e sandes compradas na lojinha a dois quarteirões dali, porque não sabiamos o que iriamos encontrar durante o dia
O barco balançava, muito. A C. considerou nem entrar, eu, interiormente, também pensei que não era assim muito sensato mas... calei-me.
Quando se afastou da baía balouçava muito mais. Preferimos ir para fora. O chuvisco e os salpicos das ondas molhavam as nossas caras que o vento arrefecia cada vez mais.
O mar estava cinzento e desordenado e eu pensava cá para mim que não correspondia nada à ideia que se fazia, à dos postais e das agências de viagens. Mas aquela também não era uma viagem "de pacote", não tinhamos marcado nada em agência nenhuma, não seguiamos a rota normal, era natural que nada fosse igual.
E não foi.
Murano não é Veneza, nem o Lido.
Murano, não é. E Burano, menos ainda.
Não tem o mesmo brilho, os mesmos palácios, as mesmas gôndulas, nem os mesmos concertos de Vivaldi à noite, nem Praças de São Marcos com pombos e turistas aos montes, nem pianistas sedutores a tocar nas esplanadas dos cafés.
Mas tem outras coisas. Tem o outro lado.
Tem gerações de vidreiros que lá vivem. Tem casas mais simples. Tem pessoas mais pobres e mais naturais. Tem uma história pouco cor de rosa.
Os vidreiros foram lá colocados no século XII com o argumento de que as suas ofícinas provocam incêndios em Veneza mas, na verdade, tratava-se de tornar inacessível o conhecimento da técnica daquele vidro, cheio de cores, aos estrangeiros que a procuravam incessantemente.
Era uma prisão. Quem tentasse a fuga sujeitava-se à pena de morte.
As pessoas que lá vivem são dessas famílias e continuam a fazer o mesmo.
É o outro lado do brilho. O que se descobre e não o que é dado. Se calhar é por isso que é mais especial, se calhar foi por isso que acabei por comprar esta medalhinha. E hoje, soube-me tão bem voltar a olhar para ela e ser levada lá, outra vez.
19 comentários:
Seja pelo que for, Margarida, parece-me um optimo dia para estrear esse estado de espirito. Que se prolongue em ti.
E olha, fica-te ainda melhor do que a medalha.
É incrível como os objectos podem ter tanto significado para as pessoas... Objectos como este, que carregam tantas emoções, são únicos... Bugigangas ou não!
Post lindo... Até suspirei :)
Beijoca
Olá!!
É tão engraçado como o nosso estado de espírito se pode "ligar" a momentos tão distintos da nossa vida! E como objectos nos fazem "viver" momentos passados!!
Jinhos
é tão forte o poder do nosso pensamento!
Ainda bem que a medalhinha te fez viajar no pensamento :=)
Beijinhos**********
Cosa deve fare il turista quando si trova a Murano?
A resposta não podia ser melhor. Obrigado.
O bem que fazem algumas recordações... e o bem que faz uma viagenzita a Itália...
qdo estive em Murano estava sol e calor...
tbm visitei as fábricas, tbm comprei uma medalha (e uns brincos e um relógio) e realmente só faz sentido se for comprado lá, mesmo k haja igual aki deste lado ao virar da esquina.
Começaste o dia a viajar...
Beijos grandes.
Já me fizeste viajar um bocadinho também, obrigada :) Agora fiquei com pena de não ter ido lá, quando fui a Veneza. Talvez noutra altura.
Beijinhos
AiAi...
Assim quem não acordava bem-disposta? Não fizeste mais que a tua obrigação!! LOL
A medalhinha é gira, mas eu nem sou de gostar dessas coisas... gosto mais do que elas significam... e adorei viajar este pedacinho contigo :o)
BJs
"É o outro lado do brilho. O que se descobre e não o que é dado."
As coisas que eu aprendo nos blogues! :)
Beijinho, Margarida!
Recordar é viver, já dizia o meu falecido avô!!!
Nada como partilhar essas recordações num dia lindo... em que o nosso espírito está igualmente lindo...
Espero que esse estado de espírito perdure... ;)
Bjs
isa e pedrocas
Gosto muito do cristal de Murano. Fiquei super-invejosa! ;)
Ai amiguinha, nunca vi ninguém tirar tanto partido das viagens como tu! E sempre foste muito alérgica a agências de viagens e a ir para onde toda a gente vai, se toda a gente vai então é impossível convencer-te.
Já sei que tens umas coisas marcadas e que no Verão nem pensar em tirar-te de perto do mar mas vamos combinar qualquer coisa? Deu-em umas saudades!
Catarina
Eu acho que estes momentos são mágicos, fazem-nos viajar no tempo e por instantes somos de novo a pessoa que éramos naquele dia. Eu adoro!
Mas sabes o que é mesmo bom? É que amanhã um momento qualquer que vivemos hoje nos vai fazer sentir novamente assim!
Beijocas
Às vezes há coisas que nos fazem viajar e voltar a determinado lugar e reviver...
Bjs
Ah! e eu tenho um dedal em murano, que comprei á muitos anos numa viajem que fiz com uns amigos.... depois disso já voltei a itália mais duas vezes, uma vez com o meu namorado e depois quando casámos numa viajem de lua de mel linda de comboio... e há sempre tanto para ver... Veneza, Lucca, Florença... nem sei qual o luagr de eleição!
bjs
Zelia
Enviar um comentário