domingo, 2 de dezembro de 2007

Amigas

Domingo. E a casa vazia. Vazia menos eu, as duas gatas e a cadela. E estava bem assim.
O Sol entrava pelas aberturas das portadas da janela e eu deixei-me ficar, acordada, aninhada no calor aconchegante que os lençóis têm sempre de manhã. Ao Domingo não há pressas, e menos ainda com a casa vazia.

Nem pressa para o pequeno-almoço, que é quase sempre a refeição que melhor me sabe, nem para o almoço.
Fiz bolo de chocolate a seguir. Porque sim. Porque me apeteceu. E ficou bom.
Li um bocadinho ao Sol, sentada nas escadas de pedra que vão das laranjeiras para a horta (que não o tem sido há já muito tempo) e espreitei, com a noção da sorte que tinha, a águia pousada, pachorrenta, bem no topo de um carvalho, na mata ali ao pé.

A calçada do páteo à frente da casa, já tem as primeiras ervas a nascer entre as pedras. É sempre a mesma coisa, depois das primeiras chuvas. E estava húmida nas zonas onde estava sombra. Esteve assim todo o dia, e dava uma sensação de desconforto, apesar do Sol e do céu azul.

Uma amiga convidou-me para ir a casa dela, mas não me dava jeito. Veio cá ela, que era mais fácil e até fazia mais sentido.
No fim da semana vai para outro continente. Vai para África e isso faz-me um bocado de confusão, porque parece que vai estar fora anos. Mas não. Não vai para África, vai a África, o que é diferente. Pode até ser só uma semana. Mas fico sempre com a sensação que vai para muito longe, muito tempo.

Fizemos chá e acendemos a lareira.
Gastámos um bule inteiro e fizemos outro. Gastámos quase um cesto de lenha na lareira e comemos quase o bolo completo.
Mas, sobretudo, falámos. Falámos durante muito, muito tempo. Dissemos muitas coisas. Entre elas algumas, aparentemente, contraditórias.

Somos muito amigas. Muito. Amigas de verdade.
O destino pregou-nos a partida, até, de passarmos por coisas semelhantes com pouco tempo de intervalo uma da outra. Ficámos mais próximas, mais solidárias, identificamo-nos mais.
E no meio da conversa, eu pedi-lhe que compreendesse que havia assuntos que eu queria resguardar mais, que há vivências que requerem um espaço próprio, um espaço com porta.
Acho que me expliquei mal. Faltaram-me as palavras certas e agora passa-se o mesmo.

Sou mais amiga dela hoje do que ontem, e ontem mais do que no dia antes, e assim por aí fora.
Acho que com ela se passa o mesmo.
Mas há coisas... que, realmente, senti necessidade de resguardar, não porque não confie nela, não porque não tenha noção do tamanho e da solidez da nossa amizade, não que ache que ela não me compreenda, não que não tenha bem noção do valor de uma amizade verdadeira. Nada disso.
Há coisas que um dia percebemos (ou sentimos) claramente que são aparte do resto. Que é assim que são, que é essa a realidade, que essa é a única maneira válida de as vivermos, e que, até é assim que as queremos.

Pedi-lhe que compreendesse que sentia a necessidade, por vários motivos, de fechar a porta do quarto.
E porque continuo a ter noção que não consigo explicar-me bem, espero que a amizade lhe permita perceber o que as minhas palavras não explicam.
Porque este correr de cortina, não é nada mais do que isso, não significa uma quebra de confiança ou amizade, e parece-me até que lhe faria bem fazer o mesmo.
Não há assuntos interditos. Mas há uma altura em que sentimos necessidade de resguardar algumas coisas. Porque é a assim, porque é assim o rumo da vida e nós vivemos de acordo com isso apenas.
Nada mais muda. Nada! Porque a amizade é uma benção que todas as pessoas têm na vida e a dela é impagável.

Terminámos a dia a tagarelar e a rir muito.
(Acho que me entendeste!)

15 comentários:

Clara disse...

Eu então, acho que já não resguardo nada nada meu. Conto tudo, a quem tenha paciencia para me ouvir. É talvez apenas uma questão de tempo.

gralha disse...

Amiga que é amiga compreende, com a maior das naturalidades.

Beijinhos e uma festa na tua égua (apetecia-me tanto fazer uma festa numa égua de olhos grandes e inteligentes agora!)

Anna^ disse...

Amizade também é isso:saber partilhar esses silêncios e aceitá-los sem questionar.

Um beijo

Anna^ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Xuinha Shop disse...

:)

(eu acho que ela entendeu...)

Beijos

NaRiZiNHo disse...

Como te entendo. Com essas amizades, conseguimos fazermo-nos entender.
Tens um desafio no NaRiZ.
:-*

Anónimo disse...

Entendi sim Margarida, pelos menos acho que sim. :-)
Acho que entendi tudo, até as coisas para as quais me chamaste a atenção e parece-me que tens razão, parece-me.
Parece-me que, no que a ti diz respeito, essa vontade de "correr a cortina" para resguardares determinadas vivências, muito precisas, e confiná-las apenas às pessoas envolvidas faz sentido. Aliás, se sentes essa necessidade deves seguir essa "voz", porque quando sentimos essas coisas não há dúvida de que esse é o caminho a seguir. Fico contente por sentires isso, parece-me muito bom sinal que essa necessidade tenha nascido dentro de ti, porque isso me parece ser sinal de um estágio superior.
No meu caso, entendi o que disseste e parece-me que és capaz de estar certa também nisso.
Entendi tudo Margarida,tu explicas-te sempre muito bem, e gostei do que me disseste! :-)

Beijos

Catarina

Piquinota disse...

As amizades só o são realmente quando entendem estas situações!


Jinhos

dinorah disse...

Acho que ambas já disseram tudo!! E entenderam-se! Isso é excelente (ah, e chama-se amizade verdadeira!)!


beijos!

gralha disse...

Fico à espera do convite :)

CGM disse...

Estou com a Anna^. Tão poucas palavras e uma grande verdade.

Mocas disse...

resguardar algumas coisas até é benéfico. para nós e para a amizade. até porque a vida, às vezes, muda de rumo.

bjs Grandes!

Unknown disse...

Há coisa que devemos guardar só para nós. E as verdadeiras amigas (como vós)entendem isso.
beijinhos

Carla Santos Alves disse...

...olha sempre ou vi dizer que a melhor amiga é a nossa barriga e ás vezes tb doi!!!!
Eu tenho amigas,poucas, mas amigas do coração, faria o que fosse preciso p as ajudar, e sei que fariam o mesmo por mim...mas há coisas queridas que são mesmo só nossas...

...mas decerteza que foi uma tarde bem passada...chá , bolo de chocolate e lareira....delicioso!!!!

Bjs
Carla

Rui disse...

Desde que não se fechem portas e cortinas a cadeado.