quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Chamar os bois pelos nomes

Por mais que haja quem diga que tenho um ar muito pacifico, amistoso, tranquilo (coisinhas que tais), por mais que seja tímida, que não goste de protagonismos e que, por isso, tenha tendência a evitar disputas e querelas, por mais que tudo isto possa ser verdade, também é verdade que, se falo, se resolvo sair discrição em que gosto de viver, se sou obrigada a dar a minha opinião, nesse caso digo exactamente o que penso, sem mudar uma virgula. Não digo o que as pessoas gostariam de ouvir, não falo com o cuidado de agradar. Se falo é para dizer aquilo em que acredito, mesmo que isso me traga mais desvantagens do que vantagens.

Isto para dizer que há uma coisa que me anda a incomodar. De tão repetida... de dita a toda a hora nas televisões, nas rádios, nos jornais...
Ouve-se uma, duas, três vezes, e finge-se que nem se ouviu. Ouve-se quatro, cinco, seis vezes, e faz-se um esforço para não se ligar. Ouve-se a toda a hora, persegue-nos em todo o lado, em todos os noticiários, em todos os jornais por onde se passam os olhos, não se consegue deixar de ouvir o mesmo 500 vezes ao dia e, nessa altura, não consigo fingir mais. Incomoda-me!

Incomoda-me a insistência ( é ela que me leva a falar), mas incomoda-me mais a manha. Sim, manha, nem sequer é astúcia!
Incomoda-me que não se chamem os bois pelos nomes. Que se procure adormecer as pessoas com expressões suaves e quase poéticas.
Interrupção voluntária da gravidez?!
Voluntária?! Voluntária para quêm? Para quem é interrompido?
Interrupção?! Sim... é uma interrupção. Mas definitiva. A expressão, se não fosse a gravidade da situação, seria deliciosamente ridícula. Faz-me lembrar aquelas apresentadoras que, quando eu era pequena, apareciam, muito sorridentes e com vestidos aos folhos, quando havia uma avaria na televisão. E lá sorriam elas, com ar afectado e, depois de pedirem desculpas pela interrupção, garantiam que a emissão seguiria dentro de minutos.
Só que neste caso a emissão não será retomada nunca mais.
Do que estamos a falar é de aborto. Não gostam da palavra? Fere-lhes a susceptibilidade? Não é bonita? As pessoas podem não gostar?
Azar! Tudo na vida tem um nome, o disto, disto de que não param de falar é aborto. Nem sequer estou a dizer que é a morte voluntária de bebés.

Não vou discutir aqui o direito, ou não, ao aborto. Pelo menos não por agora.
Não sou a favor da penalização das mulheres que se viram na contigência de fazer um. Eu não o faria, mas eu, sou eu.
Tenho amigas que fizeram, e tenho outras que participaram [muito] activamente na campanha a favor do aborto. Sou tão amiga delas como sempre fui, isto porque sempre fomos muito claras, sempre admitimos o que defendiamos e aquilo em que acreditavamos. Elas podem estar erradas, eu posso estar errada.
Elas acreditam na liberdade de fazerem o que quiserem do seu corpo. Eu acredito que essa liberdade me permite decidir (ou tentar decidir) se, e quando, quero engravidar. Tenho a liberdade de decisão sobre o meu corpo, mas não sobre o corpo de outro ser, por mais indefeso e pequeno que seja. Além do mais, direito, por direito, acho mesmo que o principal é o direito à vida, a poder nascer. Só depois surgem os outros.
Mas a questão aqui, e por agora, nem é esta. É, tão só, que me incomoda, e muito, que se procure suavizar uma realidade dura e adormecer consciências através de expressões adocicadas.

24 comentários:

Anónimo disse...

Faço as palavras da Margarida minhas!
Era bom que as pessoas que vão votar estivessem tão elucidadas acerca do assunto aborto como aqui está escrito. Era bom sentir que as prioridades dos nossos politicos eram outras, tais como a percentagem de desemprego e os cortes orçamentais.
Se em 1998 houve um referendo, e a escolha dos Portugueses foi não, porquê fazer outro? Quem não votou que o tivesse feito na altura.

tomodoro disse...

Concordo plenamente! Aborto é aborto! Tentam fazer com que a coisa seja mais bonita...

Dulce disse...

Eu até concordo com a despenalização das mulheres que o praticam. Mas chamo-lhe aborto, e é horrível.

Miguel disse...

Bravo, Margarida.
Uma mão cheia de grandes verdades.
Benditas as horas em que te "passas".
Interrompo voluntariamente aqui o meu comentário, mas volto. Ai volto, pois gosto de conhecer os nomes dos "teus" bois.

Clara disse...

mas eu por acaso já me fartei de ouvir dizer "referendo ao aborto" (deve ser porque oiço a Mega...)

Papoila disse...

Não poderia estar mais de acordo. Acho também que cada mulher tem o direito de decidir o que fazer com o seu corpo. O seu. Não o de outra pessoa.
Costumo comparar a minha posição em relação ao aborto com a minha posição em relação à pena de morte: contra. Sou contra a possibilidade de eu, um Ser Humano, decidir que outro Ser Humano (meu semelhante, portanto) deverá morrer. O que faz a mim superior a ele? Há uma coisa a que eu chamo a lei da Natureza, e é essa lei que decide quem nasce e quem morre, entre outras coisas. Para manter o tal equilíbrio necessário à vida.
E além do mais... 10 semanas? É, não é? E porquê 10 semanas? Antes disso o que a mulher tem dentro da barriga é o quê, uma pedra??? Ar? Para mim um ser vivo é-o a partir do momento em que se dá a fecundação, por isso é que se desenvolve e cresce...

gralha disse...

E eu que tanto falo (gralho), ainda não tinha reunido a coragem para escrever um post exactamente a dizer isto! "Interrupção"??? Não é uma peça de teatro para se ir comprar chocolates no intervalo e aquilo continuar. É um bebé! E quem o carrega cá dentro, semana após semana, sabe que é um bebé. As vidas não se interrompem. Começam e acabam. Mas vou deixar esta polémica para quando o assunto estiver mesmo a pegar fogo.
Beijinhos

Anónimo disse...

MArgarida: quem fala assim não é gago!
Concordo contigo quando dizes que não és a favor da penalização das mulheres.
E que nós temos sim, a liberdade de escolher se queremos e quando engravidar. Não a liberdade de terminar com a vida de alguém.
Infelizmente há muito pouco esclarecimento sobre isto.

Piquinota disse...

Já nada mais tenho a acrescentar a não ser assinar por baixo.


Jinhos

Ana disse...

Nao era muito melhor educar todas as mulheres principalmente adolescentes a precaverem-se de uma gravidez que nao desejam.
Nao sou ninguem para criticar as mulheres que fazem ou fizeram abortos, mas eh muito triste acabar com a vida de um ser humano que logo ah partida lhe eh recusada a change de viver.
Nao eh justo!

NaRiZiNHo disse...

Olá Margarida, tocaste num assunto que me anda a moer há já algum tempo. Tenho pensado muito se devo ou não devo escrever, e se o fizer, como irei faze-lo de modo a não ferir susceptibilidades.
Não vou dizer que posso falar sobre o assunto que sei o que é um aborto, etc, porque neste mundo ninguém sabe nada, muito menos os políticos.
Referes aqui algo que por acaso ainda não me tinha ocorrido: o termo interrupção.
Realmente, é algo que nos leva a reflectir se o termo estará a ser usado da melhor forma, o que tal como tu, acredito que não esteja. O facto de não ter dado conta de tal situação, prende-se com a bandeira de determinados políticos quando vêm para a tv falar no "direito à vida".
Não, não vou dar a minha opinião aqui, irei faze-lo na altura certa no meu espaço.
Só quero dizer que gostei mesmo muito deste teu post, porque para mim é um assunto que mexe muito comigo e me deixa fora de mim só de ouvir barbaridades (e acredita que não tem nada a ver com o defender ou não). Tal como tu, também conheço pessoas que optaram por faze-lo e não foi por isso que deixei de ser amiga delas.
É lamentavel que este país careça de pessoas como tu (já não falo do que eu penso).
:-*

Jolie disse...

Embora eu pense de forma um pouco diferente, percebo bem essa indignação.

Uma beijoca

13 disse...

Voto a favor da interrupção de gravidez!

Sara MM disse...

Podes crer.... têm de dar a volta a tudo... nunca nada pode ser claro!!
ARRE!!!!

Qt ao que está por trás...... é muito complicado, mesmo!!!
MAs acho que só deviam penalizar qd a aopção estiver BEM organizada e rápida!!

BJss

Smas disse...

Aqui não se fala do assunto, apenas me chega o que é dito no Jornal da Tarde e Telejornal da RTP1.
Mas sou um pouco como tu, gosto de chamar as coisas pelos nomes e não falo para agradar, mas sim aquilo que penso!
Bjs

Ana P. disse...

Eu vou por mesmo a minha opinão.
Sou a favor do aborto.
Não sou a favor de crianças passarem fome, de não serem amadas, de estarem em instituições, etc.
Eu faria um se não tivesse condições.

Clara disse...

É um tema sempre polémico enquanto aborto for visto como contraceptivo - há muita gente que o faz por causa disso. É isso que se discute e revolta. Pq o resto já está contemplado na lei.

Margarida Atheling disse...

Pois, meninas... eu sei que há opininiões diferentes em relação ao aborto. E não me assumo como dona da verdade ( nem, tão pouco, admito que outros o façam em relação a mim!).
A questão nem era esta, a de ser ou não a favor, ainda que tenha dito qual era a minha posição PESSOAL.
A questão é a falta de transparência e a manipulação dos termos.

É uma decisão pessoal, que diz respeito à consciência de cada um (de cada um, e não apenas de cada "uma"; que os homens não podem ser absolutamente marginalizados da discussão), mas que cada um decida com conhecimento real do assunto, a uma questão que lhe seja colocada de forma clara.

Transparência... era só isso!
Nos meios, nos termos, nos objectivos, nas realidades...

Anónimo disse...

a senhora quando vai ao médico também insiste em chamar "borbulha" ao que o médico chama "comedão"? ou "ranho" ao que o médico chama "secrecções"?...

é que há termos médicos, sabe - a gente é que não tem culpa dos seus frenicoques...

com todo o respeito... tenha juízo!

Margarida Atheling disse...

Caro anónimo(a), ai são termos médicos...??? Curioso!
E onde é que o "voluntário" ou "involuntário" entra como termo médico?
Tenho alguns médicos na família, tenho outros amigos, e posso garantir que o termo "aborto" faz parte do seu vocabulário!
Do vocabulário deles e dos textos de alguns livros e de medicina, assim como de alguns dos papelinhos que acompanham os medicamentos - está a ver o que é?
Nunca ouviu falar de "aborto", "efeitos abortivos", etc... nesse contexto, não?!

E, para além disso, quem não tem culpa das suas frenoquices somos nós, que nos identificamos, enquanto você se esconde. Nem culpa, nem paciência.

O direito à opinião está consagrado.
Segundo um antigo Presidente da República, até o direito à indignação está.
Se não gosta do que lê, paciência. Eu também não gosto de tudo o que me aparece pela frente. Mas o respeito pela opinião de cada um é uma coisa muito bonita, sabia?
Ah... e claro, também é muito bonito assumirmos aquilo que dizemos, em vez de insultar sob coberto.

Anónimo disse...

Exactamente porque tem de ser uma "decisao pessoal que diz respeito 'a consciencia de cada um(a)" e' que so a despenalizacao (do aborto) faz sentido. O resto sao palavras.

Anónimo disse...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Interrup%C3%A7%C3%A3o_da_gravidez

Anónimo disse...

Querida Margarida,
Adorei o teu post!
Concordo em absoluto com o que escreveste e também partilho da mesma posição em relação ao aborto.
Já senti na pele a pressão (externa) para fazer um, e hoje tenho um filho maravilhoso com quase 9 anos.
A melhor e mais importante decisão que tomei em toda a minha vida.
Um grande beijinho,
Emma

Helena disse...

Olá Margarida. Só agora encontrei o seu blog mas gostei muito de ler o que escreveu.
Há também outra coisa que me deixa indignada. Muitos dos meus amigos quando defendo o não dizem-me "olha que o referendo é sobre a despenalização, não sobre legalização, estás só a castigar as mulheres que o fazem". A verdade é que, apesar de na pergunta estar só despenalização, os argumentos que se usam não servem para defender só a despenalização. Nesse caso, acabar-se-ia com a punição às mulheres que o fazem e mais nada. Mas o que está em causa neste referendo é muito mais do que a despenalização. Querem criar-se condições para que o aborto seja livre até às 10 semanas e feito tanto no público como no privado. Não acho que isso seja apenas despenalizar.
Beijinhos e desculpe a intromissão :)