quinta-feira, 23 de julho de 2009

Deste país (ou de mim)

Desde que a Mafalda nasceu (até antes, na verdade), que estou como a minha prima esteve, i.e., se me perguntarem a profissão devo responder: mãe.
Mãe a tempo inteiro, 24 horas por dias, sete dias na semana, sem intervalos nem interrupções. E podia fazê-las, sim. A M. tem familiares ansiosos por tê-la para eles, e têm-na, mas por bocadinhos apenas, e a responsabilidade toda recai, até hoje, sobre mim (com uma boa ajuda do pai, quando necessário). Nunca outra pessoa lhe deu um almoço, um jantar ou o leitinho antes de dormir.

E desgasta, sim. Mais uma vez, estranho as mães que apenas relatam maravilhas da sua experiência.

Desgasta-nos, é um esforço que sai de nós, consome-nos até, um bocadinho. Às vezes tenho a sensação que me estou a dar, literalmente, aos bocadinhos à minha filha. Faço-o por opção, é um facto. É uma redundância dizer, porque já disse que é uma opção, que não faria as coisas de outra forma, sendo-me dado a escolher.

Porque, se por um lado desgasta e consome-nos, por outro lado, ainda não vivi nada de tão gratificante. Se eu sinto dar-me aos bocadinhos à minha filha, bocadinhos esses que não voltam mais para mim, justamente porque foram dados, por outro lado, sinto-me, constantemente, a receber dela, e a receber muitíssimo.
Sinto falta de uma outra vida, de leituras, de conversas, de tempo, de liberdade. E, no entanto, tudo isso junto continua a parecer muito pouco comparado com o que eu vivo com ela.
Volto a dizer, e podia sublinhar, que estar com ela a tempo inteiro tem sido a melhor coisa da minha vida.

Mas o tempo passa, vamos para férias e, quando chegar a altura de regressarmos, vai faltar pouco tempo para ela completar o seu primeiro aniversário. É altura de retomar as outras áreas que ficaram para trás durante este tempo, até porque o esforço financeiro não pode ser só do N.

Por isso há que ponderar as hipóteses e é aqui que não entendo o país que é o meu e que, também, não trocaria por nenhum.

Em primeiro lugar, ficar a cuidar dos filhos é um trabalho. É uma função útil, nobre, e que trás benefícios não só para os próprios, como também para a sociedade. Não entendo (ou entendo. mas lamento, mesmo assim) que, para a esmagadora maioria das mães, a opção de ficar a cuidar dos filhos até aos três anos (já que essa é a idade em que coincidem as opiniões de pedopsiquiatras, pedriatras, pais, educadoras de infância, and so on, a partir da qual a criança começa a receber benefícios em frequentar um infantário e deixar de estar em casa), que essa opção, dizia eu, não seja sequer uma opção. Nem mesmo no primeiro ano de vida dos filhos. E porquê? Por questões de dinheiro, números. Porque o Estado não reconhece essa tarefa como trabalho digno e efectivo, e digno de ser remunerado.

Não entendo ainda outra coisa.
Quando acabei a licenciatura (no ramo científico. na Universidade do Estado com mais altas médias de ingresso), optei por tirar o mestrado (três anos) em vez do fazer as Pedagógicas (dois anos), porque isso me enriquecia mais, porque satisfazia melhor a minha vontade de aprender mais sobre a área que tinha escolhido, e porque - e isto é determinante! - me foi garantido que, seguindo esse caminho, teria sempre a possibilidade de dar aulas.
Acontece que agora me deparei com outra coisa, bem diferente.
Que não, que não senhor, que não posso nada dar aulas sem ter feito as pedagógicas. E que não importa nada as competências científicas, nem as várias cartas de professores a reconhecerem o mérito, nem as notas obtidas, nem nada de nada.
Não posso, sequer, dar aulas e comprometer-me a fazer as tais pedagógicas que eram dois anos.
E alguém me explica o que faço eu com o curso, se afinal não posso dar aulas, se neste país não há investigação e se não recorrer a uma boa cunha para entrar nos serviços culturais de alguma câmara municipal?!
Ora pois... depois de terem negado aquilo que me foi garantido, pelas leis do país, quando acabei a licenciatura, resta-me fazer o que os professores nos aconselhavam: criem o vosso próprio emprego.
Pois sim! Como se isso fosse fácil...!

Verdade que, por mim mesma, e por conversas como a que tive no fim de semana com ela, e por coisas que leio, eu também preferia trabalhar em casa (ou algo parecido com isso), de forma mais independente, de modo a continuar a acompanhar a Mafalda.
Verdade que sim. Mas lá que não entendo este país... não entendo! A ele... ou ao que têm feito dele!

5 comentários:

Paula disse...

E se sonhasses como as famosas "pedagógicas" são (in)úteis...
Bjs grande!

InêsN disse...

como penso que sabes, estive com o diogo até ele completar 1 ano e meio de vida e com a sara até ao seu 1º aniversário.

essa escolha custou-nos muitíssimo economicamente mas não foi só naquela altura...hoje em dia quando olho para o meu CV há um intervalo de 2 anos e meio em branco. irão ser tidos em conta e valorizados aquando da sua avaliação para um posto de trabalho?

não me parece.

(dava tudo para poder trabalhar em casa mas com a minha profissão...esquece!)

Margarida Atheling disse...

Paula... imagino, sim. Pelo que me tem chegado aos ouvidos...
Mais um motivo para não compreender estas coisas. Um estágio acho que faz falta, mas dois anos a aprender a ensinar?! Então e agora com Bolonha, que as licenciaturas são três anos?!


Inês: sei. Lembro-me bem desse tempo que passaste em casa com eles. E, mesmo que tenha sido um esforço financeiro grande (eu sei bem como é), acho que foi o melhor para eles. Acho que eles precisammuito mais de nós nos primneiros tempos de vida do que de qualquer bem material que pudessemos acrescentar aos que lhes damos (até porque, felizmente, não falta nada à minha, e acho que também não faltou aos teus).
Quanto ao intervalo de dois anos no teu cv, infelizmente, sabemos bem que não é nada valorizado, não. Infelizmente, e disparatadamente, porque não se pode ler nele que és menos profissional e/ou competente.
A nossa sociedade não valoriza mesmo a maternidade...

Bjos

Alecrim disse...

Eu odiei dar aulas. Sei bem que não é disso que trata o post, mas quase te dizia que é uma sorte não se poder dar aulas. Eu também já não posso.
Mas sei muito bem que o teu post não fala sobre isso. Eu é que tive uma vontade incontrolável de falar.
:p

Margarida Atheling disse...

É também disso que trata, sim, Alecrim.
Não é o assunto princmbém se traipal, mas trata disso.
E lá que há experiências terríveis nesse campo, acho que há mesmo.