Nos últimos tempos tenho tido a sensação de que não me conheço muito bem, que não sou bem a mesma pessoa que conhecia - sim, eu tinha a veleidade de me conhecer bem!
É uma sensação estranha, como se houvesse um "eu" que analisa, conhece, vê, estuda, e um outro que é estudado. Como se estivesse dividida.
Tenho vivido com esta sensação estranha, mas procurando ignorá-la. Tenho procurado pensar pouco e agir mais, porque o movimento "limpa-me" os pensamentos. A velocidade de um carro ou de um galope sempre me obrigaram a deixar de pensar no quer que fosse.
Durante o fim de semana fiz o que se espera num fim de semana, mesmo que não o faça muito. Saí e vim tarde para casa. Muito tarde.
As arrumações que todas as mulheres costumam fazer nos fins de semana, não foram feitas, e eu faço questão de ser eu a limpar e a arrumar as minhas coisas.
Hoje tive que trabalhar, mas consegui despachar-me mais cedo do que esperava. Fui para casa arrumar o que não arrumei no fim de semana.
O meu quarto é pequeno - luminoso, mas pequeno - é efectivamente aquele quarto de um post lá mais para baixo.
Como não gosto de me sentir apertada tenho uma sala nas águas furtadas onde tenho a maioria dos livros, um sofá, uma secretária, uns baús... e uma vista que não pára de me encantar.
Nesses baús guardei coisas desde a adolescência.
Todo o tipo de coisas, bilhetes de cinema, de concertos, embalagens de chocolates, bilhetinhos, desenhos, fotografias, postais, cartas, cassetes, banduletes, canetas sem carga, porta-chaves... Anos de vida!
Resolvi arrumar as coisas para arranjar espaço e porque tinha a noção, embora vaga, de que muitas dessas coisas já não me diziam nada. O tempo tinha feito o seu trabalho, tinha selecionado o que era importante do que não era. E se bem que algumas das pessoas ligadas a esses objectos continuem hoje a ser minhas amigas, os objectos tinham deixado de ter importância. Pelo menos aqueles.
Deitei fora um enorme volume de coisas. Guardei as fotografias e algumas, poucas, cartas.
Não me admirei por conseguir fazê-lo.
Mas fui mais longe. Arrumei gavetas. E lá, estavam coisas bem mais recentes.
Fotografias, recadinhos, cópias de cartas oficiais para entregar na faculdade, anotações sobre as mais variadas coisas, poemas sobre o mar, o amor e cavaleiros medievais. Coisas do A.
Peguei em tudo e deitei fora.
Não o fiz com raiva, nem com dor, nem com saudade. Não sabia que ia fazê-lo.
Não me custou.
Durante cinco anos a minha vida girou à volta dele. Ou eu pensava que sim.
No último ano, apesar de tudo, quando me lembrava dele ainda era assim, como uma "coisa" do passado, mas muito importante. Marcante. Essencial.
E agora... peguei em tudo e deitei para o lixo.
Sem que a respiração acelerasse ou o coração batesse mais depressa. Sem lágrimas, sem saudades, nem raiva, nem nada. Nada!
Fiquei assustada comigo! Por ter deitado estas coisas fora, por ter percebido que eu agora tinha voltado a ser só eu. Realmente sózinha, mas realmente inteira.
Não me custou nada deitar estas coisas fora, mas ainda não percebo como o fiz.
Não sabia que era capaz!
Fiquei tão impressionada que, apesar de ter por príncipio não ligar a internet à noite, estou a escrever a esta hora. Não por ter feito o que fiz, mas por não sentir nada. Mas agora, é sensato que vá fazer um chá de menta para me ajudar a adormecer.